Itaipava pertencia a outro universo, o da antiga Leopoldina Railway, que servia a região serrana, cujo núcleo principal é Petrópolis. Havia rivalidades homicidas por causa dos dois ramais ferroviários, um morador do Méier desprezava o morador da Penha porque o Méier era subúrbio da Central e a Penha, da Leopoldina.
Se isso acontecia dentro dos limites da cidade do Rio de Janeiro, fora dela, a rivalidade superava o desprezo e havia casos de morte sobre as excelências dos trilhos e equipamentos da Central sobre os da Leopoldina.
Eu próprio, sem nunca ter morado no subúrbio, tinha um baita orgulho pelo fato da família de minha mãe, meu avô Acácio Nunes de Assis, minhas tias Zizinha e Zulmira, a figura austera de Joaquim Pinto Montenegro, que na minha imaginação era o responsável por todos os dormentes da linha férrea que ia até São Paulo e Belo Horizonte –toda essa gente, minha gente, que incluía remotamente o primo Francisco–, pertencer aos trilhos da Central.
Não chegava a odiar o pessoal do ramal leopoldinense, mas o desprezava, a começar pelo nome: na minha infância, era um palavrão que designava uma sub-humanidade.
Tudo o que não estivesse ao longo dos trilhos da Central do Brasil não pertencia ao mundo que interessava, ao mundo real em que Francisco vivia e no qual disputaria o poder com Deus. O ramal da Leopoldina nem merecia ódio porque não existia.
Desde que soubera que o sinal era em Itaipava, ele voltou a tapar a cara com o antebraço, desligou-se, não perderia tempo com um assunto que nada tinha a ver com ele e com sua luta.
O Deus que ele pretendia matar era um Deus da Central do Brasil. O lado da Leopoldina talvez nem tivesse Deus algum, e, se tivesse, devia ser um sub-Deus que não merecia uma luta pelo poder do mundo e dos homens.