Precisamos vencer o déficit de diálogo
Vivemos um tempo de refluxo, um deserto de utopias, cenário em que perdemos a capacidade de sonhar ou de propor uma forte revisão da Agenda Brasil, resultado de amplas zonas de consenso. A depender de certos debates, o Brasil encolheu a olhos vistos, movido por uma intolerância política e um sectarismo religioso que fizeram o país perder altitude. E quanto mais apostarmos no ruído, ou no insulto, quanto mais diminuirmos a qualidade ética dos debates e quanto mais nos afastarmos de parâmetros decididamente republicanos, não cessará a crise política, onde se multiplicam interesses de segunda ordem que não enfrentam com lealdade os desafios da hora presente.
Precisamos vencer o déficit de diálogo, rompendo essas bolhas em que nos confinamos, e dentro das quais perdemos nosso tamanho, buscando o antídoto de atitudes cívicas capazes de recuperarem protocolos razoáveis de respeito mútuo, condenando em alto e bom som as práticas de um crescente neofascismo.
Porque a crise não é apenas econômica, mas é sobretudo de ordem política. E quem perde a dimensão republicana, no momento atual, e se aquartela em revanchismos partidários, entre chantagem e barreiras ideológicas, presta um imenso desserviço ao Brasil.
Faz muita falta o projeto abortado de uma constituinte exclusiva para a reforma política. A Câmara reivindicou a tarefa da reforma para si, no entanto sem um debate profundo, aberto e contínuo com a sociedade. Apesar do esforço de um certo número de parlamentares sérios, a montanha infelizmente deu à luz um camundongo, um genérico de reforma aparente, no varejo, sem visão do todo, sem um conjunto conceitual mínimo. As poucas ruínas que a reforma gerou nasceram da epiderme de coisas episódicas, tais como as próximas eleições e janelas legais para alpinismos partidários, por parte de figuras conhecidas, que ficaram na contramão da República e dos ganhos de uma democracia jovem e socialmente incompleta.
O único ponto positivo da pseudorreforma, se houver algum, consistirá na aula magna sobre como não se deve propor uma reforma política contaminada pelo marketing vulgar, no auge da intolerância, quando por fim desaparece a escala mais complexa e solidária com o país.
Querem dar a impressão de que o Brasil navegou para o arquipélago imaginário de Blefuscu, onde encalhou, no coração do Oceano Índico, transformando-se, ele próprio, na famosa ilha de Liliput, que Gulliver um dia visitou, com seus minúsculos e derrisórios habitantes. Derrisórios? Talvez, a julgar pela ideia abstrusa de mandar construir um shopping center junto à Câmara.
Ocorre, entretanto, que a sociedade civil brasileira é mil vezes maior que o arquipélago descrito por Jonathan Swift, nas “Viagens de Gulliver”. E quanto mais não fosse, para quem espera “liliputizar” nossa democracia, quem encurtou nesse caso não foi decerto o Brasil.