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Anatomia de uma crise

 

A crise interna do PT pode ser explicada de diversas maneiras, e muitos fatos podem ser responsabilizados por ela existir, mas a lógica que rege os mais recentes movimentos do ex-presidente Lula e de sua criatura Dilma Rousseff é que expõe a fragilidade política dessa união, que só foi forte quando o criador comandava a criatura, seja na campanha eleitoral que ela nunca enfrentara, em 2010, seja na montagem do primeiro governo, quando Lula fez o que quis no ministério inaugural do que deveria ser o governo de transição entre os primeiros oito anos de Lula e os novos oito anos a partir de 2014.

A liga começou a se desfazer com pequenas tentativas de independência por parte da criatura, que resultaram na inédita decisão de demitir nada menos que seis ministros nos primeiros meses de governo. Nunca mais houve, desde então, um ambiente político favorável à relação de criador e criatura, ambos empenhados em marcar suas posições.

Dilma, em busca de se impor dentro do PT – que não a engole com naturalidade até hoje – montou um grupo de políticos em torno de sua presidência, do qual o mais representativo continua sendo Aloizio Mercadante. E afastou de seu círculo íntimo os ligados a Lula, do qual o exemplo mais evidente foi Gilberto Carvalho, que de eminência parda nos governos lulistas passou a figura decorativa no ministério Dilma, a ponto de ser vítima pessoal do estilo rude de gerenciar da presidente.

A crise teve seus efeitos adiados pela campanha de 2014, que justificava a unidade temporária para que todos pudessem se salvar do naufrágio que já ai se exibia como inevitável.

A derrota postergada à custa de uma campanha de agressividade fora da curva democrática e mentirosa, além de, sabe-se agora, financiada com dinheiro espúrio desviado da Petrobras, levou para os primeiros meses do segundo mandato toda a carga de irregularidades e ilegalidade cometidas no primeiro.

A Operação Lava-Jato concretizou o que já parecia evidente no final da campanha: o envolvimento direto do governo nos desvios de conduta da Petrobras. As 18 delações premiadas levam para o centro do Poder as acusações, agora chegando aos principais gabinetes do Palácio do Planalto.

Enquanto as investigações rondavam o PT, mas não os petistas mais ligados a Dilma, o partido e o próprio Lula reclamavam do ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que não teria controle sobre a Polícia Federal. Mas se esse era um dos orgulhos da presidente Dilma, que enchia a boca para garantir que a autonomia do Ministério Público Federal e da Polícia Federal para investigar os “malfeitos” eram conseqüência de sua autorização tácita, e não da letra da lei?

Lula e os petistas se incomodavam com a displicência de Dilma diante do descalabro que se avizinhava, incluída aí até mesmo a possibilidade que o próprio Lula amanhecesse um dia com policiais em sua casa, ou vasculhando o Instituto que leva o seu nome. Daí os célebres 15 dias de destempero de Lula, a criticar a presidente em público, e seus ministros mais chegados, como Mercadante e Cardozo, jogando todos na vala comum do “volume morto” da política, e o PT abaixo disso.

Mas bastou que a Operação Lava-Jato chegasse aos principais gabinetes do Palácio do Planalto para que Dilma saísse de sua pasmaceira política para atacar até mesmo a lei da delação premiada que ela sancionou e que, durante a campanha, serviu de mote para spots publicitários e auto-elogios.

Bastou isso também para que Lula se acalmasse e fosse a Brasília pedir apoio ao governo para os partidos do que teoricamente seria a base governista, que a esta altura ninguém sabe a quantas anda.

O pedido de habeas-corpus preventivo para não ser preso, que um dia apareceu no noticiário como sendo de autoria de Lula, acabou se transformando em realidade no desespero de José Dirceu.

O que um anônimo maníaco por esse instrumento – já expedira diversos pedidos desse tipo para várias personalidades – fizera para Lula, irritando-o profundamente por parecer uma admissão de culpa, acabou, pelas mãos dos advogados de Dirceu, entrando no cenário político como a cereja no bolo: o ex-ministro todo-poderoso, bem sucedido consultor de empresas em diversas partes do mundo, que andava de jatinho particular de baixo para cima, apresentado na petição do habeas-corpus como ” no crepúsculo da vida” aos 70 anos, e passando necessidades.

Às vezes unidos, quase sempre desavindos, já não fazem planos para a eleição de 2018. Cada qual querendo salvar a respectiva pele.

O Globo, 03/07/2015