A vinda ao Rio do representante das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações, Nassir Al-Nasser, chama a atenção para uma tomada de consciência quanto à presente regressão do estado de direito, dramatizada pelo advento do Isis - o Estado Islâmico - no Oriente Médio. Depara-se aí a ruptura de uma coexistência mundial, apoiada na completa negativa do reconhecimento do outro ou de coletividades reconhecidas pela sua identidade nacional. Substitui-se-lhe a existência regressiva do califado, de par com a proclamação, pelo seu chefe, Abul Bakr, de que os direitos humanos não passam de uma imposição do imperialismo ocidental. Esse desmonte da própria
noção de uma coexistência universal soma-se, ainda, na atualidade -e há que atentar à sua ameaça -, no estado de direito, à resistência à migração islâmica na Europa, à decretação de penas de morte para o tráfico de drogas na Indonésia ou ao respeito ao sigilo das comunicações, desenvolvido pelas novas mecânicas tecnológicas no mundo virtual.
Vai ao julgamento, em Haia, o recurso de Estados africanos, liderados pelo Egito, contra a Alemanha, no seu presente interdito às levas árabes no seu território. Não se trataria, para o governo de Berlim, de uma estrita projeção do direito de ir e vir, assegurado pelo habeas corpus, mas, de fato, de uma confrontação de entidades coletivas, a que o Estado recipiente teria direito de opor, em nome do próprio bem comum. Estaria em causa, sim, a defesa de uma identidade nacional e de seu direito de ampliar, ou não, as minorias que já teria acolhido. Mas não há que supor um consenso às novas levas migratórias, especialmente quando marcadas por uma estrita - senão agressiva - determinação cultural. O novo avanço dos direitos humanos diz respeito, ainda, à garantia do sigilo de correspondência, frente à ampliação tecnológica dos direitos de escuta, para além, inclusive, dos fins de investigação criminal. Mas, sobretudo, mal começa, diante desses agravos múltiplos, uma disciplina internacional do que possa ser a indenização pelo dano moral ou material decorrente dessas violações.
É importante salientar, também, a busca, pela ONU, do que seja uma Constituição ideal para essa nossa pós-modernidade. Nossa Carta Magna é premonitória nesse domínio, em instituições como a do habeas data, ao assegurar a todo cidadão o conhecimento de dados relativos à sua pessoa, em todo o registro de entidades governamentais. E, antecipando-se à crescente ditadura midiática, ao estabelecer o direito de resposta a toda agressão, exigindo seu corretivo na evidência e na rapidez reclamada pelo agravo. Atente-se, ainda, à lentidão com que
as Cartas de hoje em dia sancionam o direito à eutanásia, que a Comissão Arinos, em preceito que não passou à Carta, já proclamava.
No remate, entretanto, de todo o ciclo de novas exigências da dignidade da pessoa, as Nações Unidas reconhecem e proclamam, hoje, ao lado da igualdade universal, o direito à diferença, trazendo a determinante cultural ao bojo dos direitos humanos. É o passo adiante que faltara à Carta de 1945, toda presa, ainda, ao universalismo da vigência ocidental, tão dramaticamente reptada pelo abate das Torres Gêmeas, em 2001.