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Boca fechada

 

Por que será que a presidente Dilma Rousseff decidiu não fazer o discurso de sempre no Primeiro de Maio?

Causou surpresa porque ela, até então, tem se valido de toda e qualquer data e pretexto para falar ao eleitorado. E sempre com aquele discurso nos apresentando um Brasil maravilhoso, de que só ela tem conhecimento.

Nos seus discursos, não há inflação no país, a economia está bumbando e a corrupção é combatida como nunca na história brasileira. E, quando a gente se lembra disso, entende por que ela, no dia dos trabalhadores, preferiu calar a boca.

Parece que a situação chegou a tal ponto que não dá mais para fantasiar. E ainda havia o risco de um panelaço.

Se toco neste assunto é porque me parece que a situação política do governo e seu desprestígio junto ao povo atinge um ponto crítico indisfarçável. Essa fase crítica se agravou quando a Petrobras teve de admitir que realmente foi vítima da corrupção e que seu aparelhamento resultou num prejuízo de quase R$ 22 bilhões, fora os R$ 6 bilhões pagos em propina.

Todo mundo viu, desde que começou a Operação Lava Jato, Dilma e Lula negarem que tivesse de fato ocorrido esse desastre na Petrobras. Segundo eles, aquelas acusações era uma campanha golpista para derrubar o governo petista e privatizar a Petrobras.

Sucede que as delações premiadas tinham procedência e os acusados pelo assalto à empresa foram presos e vão responder a processos.

Por outro lado, esses escândalos atingiram o prestígio da empresa, levando-a à perda de dois terços de seu valor de mercado. Notícias mais recentes dão conta de que está vendendo a outras empresas petrolíferas equipamentos comprados para a exploração do pré-sal, que parece por enquanto descartada.

Essa história de que tudo era invenção chegou ao fim, quando o novo presidente Aldemir Bendine veio a público apresentar o balanço auditado, em que a ação corrupta de gente do governo, de altos funcionários da empresa e das empreiteiras foi afinal admitida. Sim, porque, sem esse balanço auditado, a situação da Petrobras se tornaria insustentável.

Dilma agiu certo em não falar no Dia do Trabalho. Todos sabemos que o modo de conduzir a economia de Joaquim Levy é o oposto do dela: enquanto ele opta pelo controle de gastos e pelo investimento na infraestrutura, ela acha que um pouco de inflação não faz mal e que o consumo é que leva a economia adiante.

São, portanto, posições antagônicas. Logo, Levy só foi nomeado ministro da Fazenda para tentar impedir que o barco afunde. Pois bem, Dilma teve a coragem de afirmar que essa política de contenção é apenas a continuação de sua política de gastos.

Sucede que o próprio Levy, na visita recente que fez aos Estados Unidos, para convencer os empresários a voltarem a investir no Brasil, afirmou que temos agora "uma nova política econômica", desmentindo assim o que dissera Dilma. Tinha que fazê-lo, pois do contrário não os convenceria...

Não por acaso, o índice de aprovação da presidente caiu para 13%, com a agravante (para ela como petista) de que aumentou o número dos que a rejeitam na classe C e D, ou seja, gente beneficiada pelos programas assistencialistas do PT.

E esse nível de rejeição tende a se agravar, uma vez que a implantação da nova política econômica implica em mais aumento nos preços da energia elétrica, da gasolina e do diesel entre outros–, o que provocará inevitavelmente a elevação dos preços de todas as mercadorias de primeira necessidade, o que, aliás, já está ocorrendo.

Tudo isso concorre para a deterioração das relações do governo com seus aliados políticos e, particularmente, com o principal deles, o PMDB, a quem ela tem sido obrigada a fazer sucessivas concessões.

Mesmo assim, não consegue contê-lo, tal foi o caso da proposta que aumentou, em 181%, os recursos do fundo partidário.

Num momento em que é vital para o governo cortar despesas e conter os gastos, um deputado da base governista propõe aumentar o financiamento dos partidos de R$ 308,2 milhões para R$ 867,5 milhões. E a presidente teve que sancionar esse aumento.

É, Dilma fez bem em não discursar no Primeiro de Maio. 

 

Folha de São Paulo, 10/05/2015