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"Sub tegmine fagi"

 

Leitor indignado reprovou o título em latim de minha crônica no último domingo. Não foi a primeira vez que cometi o mesmo crime: apelar para uma língua morta para lamentar a miséria humana em geral e a miséria brasileira em particular. Estamos atravessando um tempo de corrupção, violência e decepção. Governado por um partido que tem dois ex-tesoureiros e alguns de seus dirigentes atrás das grades, merecemos uma língua morta para expressar a nossa esperança igualmente morta.

Quanto ao latim que às vezes uso, não tenho uma justificação mas uma explicação. Quando saí do seminário, o pai me apresentou ao Aníbal Freire, ex-ministro, acadêmico e diretor do "Jornal do Brasil".

À falta de coisa melhor, o pai disse que eu sabia latim. Apesar de tão pobre currículo, Aníbal Freire argumentou que o jornal que ele dirigia não era escrito em latim, mas num banal vernáculo do qual ele não podia se livrar.

Passa o tempo, Aníbal Freire morre, apesar de ser imortal na Academia Brasileira de Letras, titular da cadeira nº 3, na qual, apesar do falecido latim, me sento todas as semanas. Ao tomar posse, fiz-lhe o elogio protocolar a que todos os acadêmicos se obrigam, saudando os seus antecessores.

Sei que isso não me dá direito a abusar de uma língua que aos poucos vou esquecendo. Mas Oscar Wilde deu a um de seus melhores poemas o título de "De profundis" canônico. Juízes e advogados usam impunemente o "data venia", o "habeas corpus" o "sine die".

Os botânicos chamam um vulgar pepino de "cucumis sativus". Para a bactéria da sífilis, usa-se o terrível nome de "treponema pallidum". Em várias antologias pode-se ler o "Sub tegmine fagi", verso de Virgílio que deu título a famoso poema do nosso baiano Castro Alves.

Folha de S. Paulo (RJ), 19/05/2015