O Brasil não precisava ter dado aos EUA o gostinho de mandar prender o ex-presidente da CBF na Suíça. A iniciativa de moralizar nosso futebol devia ter partido de nós, não deles. E houve quem tivesse tentado. Em 2014, Romário e Ivo Herzog, por exemplo, organizaram uma petição com milhares de assinaturas mostrando que José Maria Marin não podia estar à frente da instituição responsável pela realização da Copa do Mundo aqui. “É como se a Alemanha tivesse permitido que um membro do antigo Partido Nazista organizasse a Copa de 2006”, afirmava Ivo, filho do jornalista Vladimir Herzog, assassinado nas dependências do Exército em SP, em 1975. Então deputado estadual pelo partido da ditadura, Marin fez uma sórdida campanha contra o então diretor de Jornalismo da TV Cultura, acusando-o de colocar a emissora a serviço do comunismo por mostrar “fatos negativos, como a miséria”. Dias depois de um discurso em que o deputado exigia providências das autoridades, Vladimir foi ilegalmente detido e, em seguida, barbaramente torturado e morto.
Um dos aliados de Marin era o tristemente famoso delegado Sérgio Fleury, cuja equipe foi denunciada na Comissão da Verdade como tendo torturado na mesma época o ex-deputado Carlos Araújo, ex-marido de Dilma Rousseff e pai de sua filha. As sessões foram tão violentas que o preso teve que ser hospitalizado por causa das sequelas. Mesmo assim, Marin nunca prestou contas de um passado que o condenava como dedo-duro — e agora também como corrupto, graças ao FBI, que o acusa de ter recebido mais de R$ 20 milhões em propinas e subornos.
O ex-presidente da CBF conseguiu livrar-se ainda de pequenos delitos. Em 2012, na festa de premiação dos campeões da Copa São Paulo de Juniores, houve uma cena que só é crível porque foi documentada por câmeras de televisão. Sobre uma mesa, estavam as medalhas que seriam entregues aos craques. Na frente, entre outros que fariam a entrega, Marin. Num dado momento, ele se vira, pega uma das medalhas, enrola na fita, disfarça e enfia no bolso. O furto lhe valeu o apelido de “Zé das Medalhas”, em referência a um personagem da novela “Roque Santeiro”. Mas só.
Anos depois, ao ser lembrado do episódio por um repórter, Marin, que acabaria vice-governador de Paulo Maluf, mostrou que tinha herdado do seu líder a mesma capacidade cínica de escapar de situações embaraçosas. Indignado, simplesmente negou o flagrante, alegando que não fora furto, mas uma “cortesia” da Federação Paulista. Faltou-lhe, porém, aprender com Maluf que, para casos como os deles, o lugar mais seguro do mundo é o Brasil. Viagem ao exterior, nem pensar. Dá cadeia.