Em nome de um país, que deveria ser mãe e não madrasta de seus próprios filhos, em nome de uma república moderna, que não rouba o futuro de meninos e meninas, sem escola e sem família, em nome dos avanços do estatuto da criança e do adolescente, não podemos incorrer no erro de aprovar a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, de acordo com a fatídica PEC 171/93.
Seria um retrocesso odioso, um acinte aos direitos da cidadania, uma completa falência moral da sociedade brasileira, através de medida populista, de sotaque radical e sectário, cujo ônus recairia, uma vez mais, sobre as camadas desassistidas da população, que pagam, com juros altos, as prestações de uma cidadania incompleta, onde o Estado não chega, não sabe, não busca, ou não quer chegar.
Ninguém se iluda com a redução para os dezesseis anos: a médio prazo faria aumentar, em absurda progressão, o nível de violência, ao matricularem-se os menores nos presídios, quando não passaram sequer pela escola de qualidade, em tempo integral, com frequência obrigatória, seguida, na prática, por uma rede social articulada. Visitem os presídios do país e façam ideia do que significaria a PEC 171. Defendê-la é tornar-se cúmplice do crime de lesa-futuro, que as próximas gerações deverão condenar de forma indignada e resoluta.
Como disse Betinho, ninguém é obrigado a amar o menor de cuja violência somos vítimas, embora sejamos, contudo, obrigados a pensar de modo civilizado, sem resíduos de barbárie, na adoção de programas de sucesso, em andamento no Brasil e no exterior, em vez de trilhar o labirinto do cárcere, que chega a ser, naquela idade, um passaporte sem volta, uma viagem a país nenhum, sem um quantum mínimo de esperança.
Quem mais alimenta a ideia desses antídotos aparentes contra a violência é a própria ausência do Estado, uma compreensão canhestra das leis, por parte de seus operadores, fria, insensível, indiferente, sem ouvir educadores e psicólogos, sem falar da não aplicação do estatuto da criança e do adolescente. Deixar as coisas como estão implica alimentar discursos violentos para tratar da violência, enfrentar a barbárie mediante a barbárie, num círculo vicioso redundante, brutal e vingativo, a desaguar numa pena de morte “tolerável”, que é bem o que se passa nas entranhas de certos presídios brasileiros, como sabemos todos e, por favor, e de uma vez por todas, sem hipocrisia.
Assisti a alguns debates da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, buscando compreender a lógica de certas decisões extremas, as posturas laxistas, e as propostas resolutamente democráticas, de qualidade, mas insuficientes no placar final, de 42 votos a favor da redução contra 17.
Pensemos na criação de escolas especiais, nos programas de inclusão nos municípios, na presença de educadores para o desafio de recriar as condições propícias da cidadania, dos que acreditam radicalmente na democracia e no futuro de nossos jovens.