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Inquieta uma política externa doméstica

 

O discurso de posse de Dilma dividiu-se entre a alentada prestação de contas e a prospectiva do seu segundo mandato. A ênfase no drama da Petrobras apertou os cravos, diante do país, sobre essa inédita apropriação de recursos do Estado pela nossa maior empresa, a indicar, ao mesmo tempo, uma competência de primeiro mundo na execução da fraude.

A fala ressentiu-se, por outro lado, da ausência de horizontes do que deverá ser a política externa do país. O novo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, limitou-se à arrumação doméstica do Itamaraty, com a melhoria salarial dos profissionais e a expansão das embaixadas. A vir a um plano propriamente prospectivo e político, cingiu-se à mais inercial das expectativas, qual a da fé na manutenção das nossas relações de exportação e importação no mercado internacional.

Não percorreu o texto qualquer eco da vigorosa posição da presidente Dilma nas Nações Unidas em 2014. Não reconhecemos o destaque do Brasil nos Brics, neste quadro novo da quebra da globalização, a persistir meio século depois da Guerra Fria. Mais do que bloco, nessa nova frente internacional, haveria a falar num alinhamento antidominação, sem excluir protagonismos independentes dos seus membros e até em confrontações, como, hoje, a do Brasil e da China na África.

Os próximos meses, por outro lado, diante do levante do Estado Islâmico, defrontam o ineditismo de uma região que rompeu com a própria ideia de coexistência e quer ir à destruição dos Estados-nações de nosso tempo, regredindo ao califado. A nítida liderança, hoje, americana nessa ruptura recrutou países de todo o mundo para esse abate sem volta, mas com a ausência de toda a América Latina. O continente não se alinhou à mesma cruzada, a prospectar, talvez, a etapa subsequente, após o extermínio do Isis e as mediações que comporte.

Os eixos, hoje, da rica política externa brasileira envolvem, também, o desempenho da América Latina - aí está o Pacto do Pacífico -somando os países do outro oceano à China em perspectivas, até agora, insuspeitadas para a aceleração do desenvolvimento. Não ficamos, entretanto, no Brasil, num exílio atlântico, mas, como já exprimiu a própria presidente, há que nos debruçarmos sobre a África e, nela, no que, até hoje, é uma incógnita, como a nossa aproximação com o governo de Johanesburgo. A prazo médio, mal começamos ainda a avaliar o que representará uma possível derrota democrata nas próximas eleições americanas. O peso brasileiro, nesse horizonte, pode ser a diferença na resistência das Américas à aparição, com uma vitória republicana, de um novo fundamentalismo ocidental, após o pesadelo do Isis.

Jornal do Commercio (RJ), 23/01/2015