Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > O paradoxo de Dilma

O paradoxo de Dilma

 

Ao mesmo tempo em que aumentaram seus problemas políticos com a divulgação do que seria parte da lista do Procurador Rodrigo Janot, paradoxalmente a presidente Dilma foi blindada pela fragilização do Congresso, com os presidentes da Câmara e do Senado incluídos entre os investigados na Operação Lava-Jato.

Se já era precipitada a defesa do impeachment a esta altura, sem que dados concretos respaldem a suspeita, quase certeza, da população de que a presidente Dilma “tinha conhecimento da corrupção na Petrobras” (77% dos entrevistados); “sabia dos desvios e deixou continuar” (52%); “sabia e nada pôde fazer” (25%), segundo revelou a recente pesquisa Datafolha, agora com processo no STF seria politicamente inviável que uma Câmara presidida por Eduardo Cunha recebesse um pedido de impedimento da presidente, ou que o Senado presidido por Renan Calheiros desse prosseguimento ao processo, que seria presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal.

Essa blindagem, que estava sendo comemorada ontem por aliados mais próximos de Dilma é, no entanto, o que faz com que os dois políticos estejam convencidos de que esse foi o objetivo da inclusão de seus nomes na lista. Como é natural no ser humano, especialmente em políticos da qualidade dos dois, esquecem seus próprios pecados para transferir a outros a culpa por seus infortúnios.

E, como continuarão nos seus cargos durante a maior parte da investigação, e manterão seus mandatos até mesmo depois de eventualmente serem denunciados, ambos estarão em situação de poder para enfrentar o Palácio do Planalto e pressionar politicamente a presidente Dilma.

Se estão convencidos de que foi o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo quem levou o Procurador-Geral da República a incluí-los na lista, não acreditam mesmo na independência de Janot, e consideram, portanto, que pressionando o governo poderão contar com sua interferência no decorrer das investigações da Polícia Federal.

Tem-se então o fato de que a vida da presidente Dilma não ficará mais fácil, ao contrário, com diversos aliados governistas incluídos na lista de investigação de Janot. As dificuldades políticas somam-se às econômicas, e o clima de incerteza no Congresso retira qualquer possibilidade de o governo garantir que as medidas de equilíbrio fiscal serão aprovadas.

O ambiente político está contaminado por questões pessoais que terminam sendo fundamentais para tomadas de decisões, muitas vezes certas, mas por motivos errados. É o caso da devolução da medida provisória sobre a desoneração da folha de pagamentos, atitude tomada por Renan com uma razão formal correta e outra, subjacente e negada, mas sabidamente importante, que foi sua inclusão na lista de investigados.

Cada atitude sua, mesmo baseada em razões institucionais, guardará a partir de agora um ranço antigovernista difícil de camuflar. Também Eduardo Cunha teve aumentada sua dose de oposicionista pragmático com a inclusão de seu nome na lista de Janot.

A CPI da Petrobras será um bom palco para exercer sua “independência” do Planalto do Planalto, a base de sua eleição para a presidência da Câmara. O PMDB, como co-participe do governo, terá sempre uma atitude formal de aliado, mas à medida que sua colaboração não é requisitada pela presidente Dilma, mais distante vai ficando da co-responsabilidade do governo.

O vice Michel Temer só é convocado quando o circo está pegando fogo, como é o caso atual. Só que a esta altura do campeonato, com a presidente fragilizada pela péssima perspectiva econômica, e com a base aliada em pé de guerra, será difícil uma aproximação mais efetiva.

Será o Senado, por exemplo, que aprovará o nome indicado para a vaga do ministro Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal. Com vários senadores e deputados na lista de investigados, esse novo ministro, que participará na segunda turma que vai julgar o petrolão, terá sérias dificuldades na sabatina.

Razão primeira para o distanciamento do PMDB do governo, o PT está na berlinda mais uma vez na investigação do petrolão, e não poderá contar com a solidariedade do que seria em tese seu maior aliado no Congresso. A não ser que tudo termine em pizza, dando razão às desconfianças e certezas de Cunha e Calheiros.

Aí é a democracia que estará sendo afrontada.

O Globo, 05/03/2015