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Biblioteca do século 21

 

Jornal do Brasil (13.10.2005)

Com um acervo de mais de 70 mil obras literárias e históricas, muitas delas raras, do século 16 ao 20, a Academia Brasileira de Letras abre um novo espaço ao público e aos pesquisadores


Sergio Martins

O acervo da Biblioteca Rodolfo Garcia, da Academia Brasileira de Letras, no prédio da própria ABL, no Centro do Rio, é para pesquisador nenhum botar defeito. Possui mais de 70 mil obras, a maioria de referência, além de periódicos, monografias e materiais especiais, doados por colecionadores ou recuperados do antigo depósito da Academia. Fazem parte do conjunto, naturalmente, obras raras dos séculos 19 e 20, entre elas a Brasiliana (coleção de livros, estudos, ensaios, documentos ou artigos, brasileiros e estrangeiros, sobre o Brasil). Dirigida pelo acadêmico Murilo Melo Filho e coordenada pela bibliotecária Marilia Amaral, a biblioteca foi inaugurada em 22 de setembro e está aberta ao público de segunda a sexta, de 10h às 17h.

Ela ocupa todo o segundo andar do edifício Austregésilo de Athayde, com uma área de 1.300 metros quadrados, dividida em setores de atendimento ao público, técnico-administrativo e guarda do acervo. Possui ainda um espaço para exposições e uma sala de multimídia interligada à de videoconferência. Tal estratégia permite que a biblioteca, com o tempo, recupere o investimento - segundo Melo Filho, o custo total ainda não foi calculado, mas a alocação de recursos foi da ABL. Há uma outra biblioteca, denominada Acadêmica Lúcio Mendonça, no Palácio Trianon, prédio antigo da ABL, ao lado do edifício, mas para atendimento somente de acadêmicos e pesquisadores autorizados.

- A proposta de se criar uma nova biblioteca surgiu na presidência de Arnaldo Niskier. Os presidentes seguintes, Tarcísio Padilha e Alberto da Costa e Silva, deram continuidade ao projeto e foi sob a presidência de Ivan Junqueira que ela foi inaugurada. São milhares de títulos disponíveis para consulta local, entre os de livre acesso no salão de leitura e os situados no depósito do acervo - afirma Melo Filho.

O edifício Austregésilo de Athayde pertence à ABL e os andares e salas estão alugados para empresas particulares. Essas mesmas companhias se interessaram pela sala de videoconferência e são as que mais alugam suas dependências. Segundo Melo Filho, a sala permite que as empresas se comuniquem com a matriz ou suas filiais em até seis países ao mesmo tempo. O aluguel é por hora ou dia e a previsão é de que empresas com sede em outros bairros também venham a utilizar suas dependências e a sala de multimídia.

O acervo da biblioteca é especializado em filosofia, filologia, lingüística, literatura, história e ciências humanas. Além das coleções raras, como a Brasiliana e a Camiliana, ele se constitui de obras que pertenceram a Agliberto Xavier, Alzira Vargas do Amaral Peixoto, Arthur Vautier, Ary de Andrade, Carlos Magalhães de Azeredo, Celso Vieira, Fernando Nery, Franklin de Oliveira, Fréderic Mauro, Marcos Carneiro de Mendonça e Silvio Neves. Assim como de doações dos acadêmicos Alberto da Costa e Silva, Alberto Venancio e Josué Montello. Esses livros podem ser consultados pelo público.

- O acervo da biblioteca foi selecionado por uma comissão de acadêmicos e bibliotecários. Seus livros estavam guardados em um depósito da Academia, mas vinham sofrendo deterioração por causa da precariedade de armazenamento. Eram cerca de 120 mil volumes e mais de 80 mil já foram recuperados. Desses, cerca de 70 mil estão à disposição do público nas novas dependências. A ABL quer se reaproximar da juventude e da sociedade em geral. Temos condição de receber grupos de até 30 estudantes, basta as escolas marcarem por telefone. As visitas podem ser feitas às segundas, quartas e sextas - explica Murilo Melo Filho.

A biblioteca foi projetada de acordo com o que há de mais moderno na conservação de livros e conforto para o público, de acordo com as normas de organizações e métodos. Conta com um quadro de 19 funcionários e três estagiários de biblioteconomia - além do diretor e da coordenadora. Entre as obras de referência, Melo Filho sita uma coleção completa da Enciclopédia Britânica datada de 1786. Todas publicadas posteriormente também têm edição na biblioteca, cujo nome homenageia o escritor e acadêmico Rodolfo Garcia, morto na década de 40.

- O usuário poderá também fazer pesquisas na internet e em sites especializados, além de ter contato com materiais audiovisuais e digitais. Os computadores, todos modernos, estão numa sala e em cabines individuais. O salão de leitura possui seis mesas e 24 cadeiras e permite o acesso aos livros sem necessidade de consultar os atendentes. A não ser que sejam do depósito do acervo, onde ficam as obras que exigem maior cuidado. O depósito foi projetado nos mínimos detalhes para permitir a conservação dos livros. Assim, conta com luz automática, temperatura adequada constante, vidros protetores do sol e da umidade e, principalmente, piso antiderrapante. Já pensou se um dos nossos velhinhos escorrega? - brinca Murilo Melo Filho

Livros contam história da ABL

O primeiro livro a fazer parte do acervo da antiga biblioteca da Academia Brasileira de Letras foi o romance Flor de sangue (1896), do cronista carioca Valentim Magalhães (1859-1903). O exemplar foi doado para a Academia em 1987 e pode ser visto pelo público num balcão especial, protegido por vidro blindado, na sala de edições raras. Sua consulta não é permitida.

A biblioteca, que foi instalada em 13 de novembro de 1905, por proposta do acadêmico Rodrigo Otávio Filho, recebendo o nome de Biblioteca Acadêmica Lúcio de Mendonça, completa seu centenário no mês que vem.

A história da Academia Brasileira de Letras pode ser contada por intermédio desses livros raros. Desde sua fundação, em 20 de julho de 1897, a ABL vem recebendo doações de coleções particulares de acadêmicos e de pessoas do mundo literário e cultural.

São obras raras e clássicas, muitas de primeiras edições, publicadas do século 16 ao 20. Entre elas, a edição princips de Os Lusíadas, de 1572, e um exemplar raríssimo das Rhythmas, impresso em Lisboa em 1595, ambos do mais importante poeta português, Luís de Camões.

A inauguração da Biblioteca Rodolfo Garcia, a princípio, foi uma necessidade por causa do acervo acumulado pela ABL nos seus 108 anos de existência. Na gestão do presidente Arnaldo Niskier, em 1999, os acadêmicos decidiram criar a nova biblioteca, por sugestão do escritor Josué Montello, com o objetivo também de recuperar os livros e documentos do acervo. Assim, os modernos equipamentos instalados na nova biblioteca também foram colocados na mais antiga. Mas, enquanto a Biblioteca Rodolfo Garcia é aberta ao público para consulta, estudo e pesquisa, a Lúcio de Mendonça permite apenas a visitação.

A exposição Coleção Brasiliana, na Biblioteca Rodolfo Garcia, possui os mais raros livros e gravuras assinados por alguns dos viajantes que estiveram no Brasil a partir do século 16. Brasiliana significa qualquer coleção de textos (livros, estudos, ensaios, documentos ou artigos), gravuras, fotos e filmes com temas que reproduzem a vida ou a cultura brasileiras. Três desses primeiros brasilianistas foram os franceses Jean de Léry, André Thavet e Claude d'Abbeville.

Presidente da casa, Ivan Junqueira reiterou, na inauguração da nova biblioteca, a importância desses artistas, escritores, viajantes e cientistas europeus para a compreensão do país.

- Durante o século 19 se intensificaram as atividades dos viajantes europeus. Foi a época das narrativas ou relatos etnográficos de Henry Koster, das contribuições botânicas de August François César de Saint-Hilaire, das litografias de Jean Baptiste Debret, entre outros. Foram muitos. Tantos que Rubens Borba de Moraes, em seu Manual bibliográfico de estudos brasileiros, enumera a contribuição de pelo menos 266 viajantes. Este é um dos tesouros da nova biblioteca.

13/06/2006 - Atualizada em 12/06/2006