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Poderoso Ministro

 

Jornal do Brasil (21.02.2006)


Figura de trânsito nas esferas do poder e da cultura, o pernambucano Marcos Vinicios Vilaça promete pisar no acelerador como novo presidente da Academia Brasileira de Letras. Também ministro do Tribunal de Contas da União, ele diz que a legislação poderia tornar mais ágil o processo de liberação de verbas para as artes
 

Cleusa Maria

 

Duas instituições poderosas juntam suas forças pela glória de Machado de Assis. De um lado, a respeitável e centenária Academia Brasileira de Letras fundada pelo autor de D. Casmurro em 1897; do mesmo lado, o prestigiado ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), ex-ministro da Cultura, poeta, ensaísta e personalidade de trânsito nas altas esferas do poder político e cultural do país, o pernambucano Marcos Vinicios Vilaça, 66 anos.

Quem se espremeu por uma fresta na solenidade de posse do novo presidente da ABL - em dezembro passado - ou enfrentou a fila do beija-mãos pôde comprovar. Poucas vezes - ao menos em sua história mais recente -, a cerimônia reuniu tantas cabeças coroadas na maior festividade do Petit Trianon. Lá estiveram, entre notáveis e anônimos, quatro governadores, além do ministro da Cultura, Gilberto Gil, e do prefeito do Rio, Cesar Maia (PFL). Imortal desde 1985 (ocupa a cadeira 26 que tem como patrono o médico e poeta carioca Laurindo Ribeiro), o acadêmico e ministro Vilaça tem estatura suficiente para exercer um mandato inesquecível na prestigiosa academia.

Dois meses após a posse, de terno, gravata e chapéu em fibra natural, ele cumpre o compromisso, reservado na agenda com três semanas de antecedência, para falar dos projetos na presidência da ABL. A conversa é temperada com toques de humor refinado e transcorre em tom informal como se fosse prosa na cozinha da casa de engenho. Até ser interrompida por um telefonema do ex-ministro da Cultura, Sérgio Rouanet.

O assunto dos dois ministros? O bolo-de-rolo encomendado em Pernambuco, onde fica a residência dos Vilaça, e despachado aos quilos para presentear amigos pelo Brasil afora.

- O miserável que chama bolo-de-rolo de rocambole (o sinônimo está no Dicionário do Aurélio) cai na minha desgraça. Rouanet gosta muito de bolo-de-rolo - revela Vilaça.

Em outro momento de descontração, o poderoso ministro pede licença e, a caminho do toalete ao fundo de seu gabinete, diz:

- Quando eu voltar me lembre desta frase: regar o solo pátrio.

Entrevistadora de caneta no ar espera um relato de heroísmo cívico. Mas o que o ministro relembra é uma passagem do jornalista e ex-governador de Pernambuco, Barbosa Lima Sobrinho. Em campanha eleitoral pelo interior do Nordeste, o ex-presidente da Associação Brasileira de Imprensa e da ABL foi salvo do aperto pela sabedoria popular:

- O Barbosa Lima com seu jeito reservado viajava na companhia do senador Paulo Guerra e de um caboclo da terra de apelido Curió. Percebendo que o jornalista ficava constrangido quando precisava fazer uma parada de emergência, o Curió sugeriu: ''Doutor Barbosa Lima, é só dizer que vai regar o solo pátrio''.

Antes de falar dos planos de presidente da ABL, o ministro avisa que não tem o gosto exótico da novidade. E se compromete a seguir Machado de Assis, que recomendava a constância.

- Minha proposta é dar seqüência à obra de meus antecessores, que cuidaram de administrar o programa editorial, a programação de cursos e de recuperar o acervo da biblioteca. Mas pelo meu temperamento vou acelerar. Sou muito apressado. Não sei se estou certo, mas sou assim. Os meus confrades, se acharem necessário, que me peçam para brecar. Sou apenas um delegado de plenário, um coordenador - diz, político.

A palavra mais usada no vocabulário do novo presidente da ABL é aliança. Ele quer estabelecer pactos mais visíveis com os estados brasileiros. Este ano, a ABL vai ao Rio Grande do Sul promover seminários em torno das obras deixadas pelos escritores Mario Quintana, Vianna Mug e Augusto Meyer. Quer trazer autores gaúchos ao Rio de Janeiro e levar acadêmicos ao Rio Grande do Sul. Vai organizar também uma programação para celebrar os 50 anos de publicação do livro Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, em Minas Gerais.

Cultura sem espartilho 

Em São Paulo, fará o mesmo com os 70 anos de Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. Vilaça promete privilegiar ainda alianças no plano ibero-americano, a começar por Portugal e sem deixar de lado a América do Sul.

- É grande a distância entre nós e nossos vizinhos. Não temos presença na Venezuela, por exemplo, nem venezuelanos e chilenos aqui. Na mesma linha, vou buscar mais entrosamento com o mundo universitário interessado em literatura, via internet. Seja através de um fórum, de um blog ou revista eletrônica.

O ministro conta que houve uma época em que tinha medo físico de computador.

- Foram os netos que me desmoralizaram. Netos foram feitos para desmoralizar os avós. Manejo muito mal a máquina, mas a pequena tela é o Gutenberg do mundo atual. Quem não lidar com a internet vai ficar analfabeto. Pretendo colocar na rede todos os discursos de posse, já reunidos em um tomo.

Ele diz, porém, que a ABL não pode se popularizar, pois é de sua natureza ser emblemática e seletiva. Mas não precisa ser inatingível como uma torre de marfim.

- Cada um de nós aqui é um simples passageiro da glória de Machado de Assis - diz o poeta.

O ministro Marcos Vilaça quer desfazer ainda ''a versão inexata'' de que a ABL é um grupo de velhinhos que às quintas toma chá e conversa, esperando que um deles morra para fazer uma posse festiva.

- A Academia não é chá e fardão. Ela tem duas bibliotecas, programas de conferências, de curso como a mais importante instituição cultural do país.

Ele vê com entusiasmo o surgimento de novos autores na literatura brasileira.

- A qualidade literária é boa. O que me preocupa é que o número de leitores não corresponde ao número de títulos. Educar a população para a leitura é um dever do Estado.

Impossível estar com um ministro do Tribunal de Contas da União - e um homem de cultura - sem perguntar sua opinião sobre a burocracia de que se queixam os artistas na liberação de verbas em sua área.

- O TCU trabalha dentro de uma legislação que não é feita por ele. Nós não administramos, nós controlamos. Caetano (Veloso) dizia que a cultura é objeto não identificado. Eu concordo que, neste caso, deveriam simplificar as leis que regem o controle do dinheiro que vai para a cultura. Pois, ela não pode ficar dentro de um espartilho. A liberdade é inerente à sua natureza. Não estou pregando a desordem. Existe a necessidade de cânones. Mas poderia ter mais agilidade.

Os pais em nome do filho

Pai do galerista Marcantonio Vilaça - morto prematuramente, em 1º de janeiro de 2000 - o ministro deve à memória do filho o respeito que desfruta junto aos artistas contemporâneos. Especialmente àqueles contemplados pelo crivo crítico do sócio-fundador da Galeria Camargo Vilaça, em São Paulo.

Nos anos 90, o jovem colecionador teve papel fundamental sinalizando o caminho da maturidade para a arte brasileira. Ele formou uma importante coleção de arte contemporânea e se empenhou no desenvolvimento de um mercado internacional para a produção brasileira. Hoje, além de dar nome ao maior prêmio para as artes plásticas no país, o CNI-Sesi (com mostra atualmente no MNBA do Rio), Marcantonio foi homenageado com a criação de espaços dedicados à arte e cultura em três capitais brasileiras.

A mãe Maria do Carmo, companheira inseparável do ministro Vilaça, organiza um clipping que já tem 20 volumes, reunindo o que é publicado sobre Marcantonio, nos jornais de todo o mundo, com a ajuda de uma rede de amigos:

''Ela lê tudo. Sobre um filho não escapa nada. É uma forma de a gente tê-lo conosco. O tempo passa, mas saudade não tem calendário. O escritor lusófano-africano Mia Couto me disse ''um morto amado nunca acaba de morrer''.

 

22/05/2006 - Atualizada em 21/05/2006