Fica lendo até tarde na poltrona da sala. Vem o sono. Passa as filhas, que dormem ao lado da mãe, para as próprias camas. Veste o pijama e vai se deitar.
Acorda, de repente, outra vez na poltrona, a luz acesa em cima do console de pau-marfim, o mesmo livro nas mãos. Por instantes não entende nada. Ele não é de cochilos. Se estivesse sem o pijama, a explicação seria simples: um cochilo maior durante a leitura. E, além disso prova maior, há o pijama todo abotoado, provando que já se deitara. Para tirar as dúvidas, vai aos quartos. As meninas dormem no meio das bonecas.
No próprio quarto, morre a dúvida: seu lugar na cama está marcado de alto a baixo na depressão do colchão, os travesseiros revirados, na posição em que sempre os usa.
Sim, ele se deitara, dormira. Sem dar por si se levantara, fora para a sala, acendera o abajur de cima do aparelho de DVD, abrira o livro na mesma página onde parara. Quem sabe se não chegara a ler algumas linhas? Pega o livro, passa os olhos, parecem-lhe recentes cinco páginas adiante daquela em que interrompera a leitura para ir deitar.
Sonambulismo? Não. Qualquer coisa dentro de si diz que não. Estuda a topografia do apartamento, faz o roteiro: deve ter saído do quarto com sede, zonzo de sono. Bebera água na copa, quando voltou, em vez de virar à direita, virou à esquerda e foi para sala.
Isso explica metade. E a outra metade? A luz acesa, o livro aberto na mesma página, a leitura de cinco páginas inteiras? Com a brutalidade do sono fizera aquilo maquinalmente, por ser de hábito. Sim, deve ser isso. E se não fosse?
A cara no espelho não se mexe, imóvel, como se fosse de morto recente. As olheiras da noite insone lá estão, tremendas, dando-lhe o ar de louco, mas ainda distante.