Essa publicação faz parte da coleção Coedições ABL
Se, sob todos os seus disfarces, a estória quer-se parecida à anedota, como disse certa vez o próprio Guimarães Rosa, é porque, na verdade, quer-se inédita, já que um e outro nome querem-se também os mesmos, na origem das palavras. Mas, então, se as estórias não querem ser publicadas, por que desejamos tanto vê-las sob o olhar atento do leitor? Mas, se o próprio autor pede mais de uma leitura para o todo, orgânico e não emendado, para que de outra maneira possa ser compreendido, então não é do que parece ser que estamos falando. Talvez porque anedota e inédito digam antes o originário, o ainda não visto (há muito não visto), ou ouvido, ou pensado, ou sentido e, com isso, porque o resgate dessa novidade confunde o já estabelecido, há uma possibilidade de riso a escanchar "os planos da lógica, propondo-se realidade superior e dimensões para mágicos novos sistemas de pensamento".
A estória da correspondência de João Guimarães Rosa com o seu tradutor alemão Curt Meyer-Clason não havia sido publicada até agora. Essa estória, que como todas as outras quer-se parecida à anedota, nos revela um autor que não pede fidelidade ao original; pede, sim, parceria e recriação constantes. Revela também um tradutor que compreende a sua tarefa como "uma forma sui generis de fazer literatura", poesia acima de tudo. Nessa relação de "irmãos", partida e chegada se misturam nos destinos de Riobaldo e Diadorim e no de todos os personagens que renascem falando uma outra e mesma língua. E aí se sabe: o inédito não é o guardado, o não publicado; é o inesperado que se refaz a cada página e a cada vez que se retorna a essa página; o inédito é a experiência de pensamentos e sentimentos inéditos. O inesperado é o que se deixou de esperar. E a anedota é o mesmo inesperado, embora, cada leitor possa descobrir também, ao acompanhar autor e tradutor, as ocasiões do próprio riso.
João Guimarães Rosa: correspondência com seu tradutor alemão Curt Meyer-Clason (1958-1967) é a realização de um projeto editorial coletivo, desejo de trazer para a luz dos olhares uma estória que certamente pemanecerá inédita e sempre aguardada. Uma parte desse material estava, desde 1973, no arquivo pessoal do escritor sob a guarda do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, organizado principalmente pela professora Neuma Cavalcanti. A outra parte estava em Munique, Alemanha, na casa do tradutor que, consciente do valor dessas cartas para o conhecimento do processo de criação e recriação do autor de Grande sertão: veredas, incumbiu a professora Maria Apparecida Bussoloti de reuni-las, compondo um todo igualmente orgânico e não emendado. A Editora Nova Fronteira, a Academia Brasileira de Letras e a Editora UFMG juntaram seus entusiasmos ao projeto, com a certeza de que a publicação deste livro escreve mais uma parte da estória a ser contada de e sobre Guimarães Rosa, de e sobre a literatura, de e sobre a tradução. "A vida é também para ser lida. Não literalmente, mas em seu supra-senso." (Ivan Junqueira na Apresentação do livro)