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Um outro país após a derrota

 

A perda da Copa repercutiu de maneira radical sobre a nossa toma de consciência coletiva. Multiplicou-se, instantaneamente, a riqueza das explicações sobre o evento, que exorbitou de todos os cálculos quanto à nossa possível perda final. Vamos além de uma catarse, como se experimentássemos uma provação extrema, mas logo compensada, nas redes sociais, pela passagem à ironia e ao humor, no cancelamento do insuportável. Deparamos, por aí, uma dessacralização, sem volta, do que o futebol, até hoje, representou na transposição da identidade no país, no mais fundo de nosso inconsciente coletivo. Vimos, nas primeiras horas depois do 7 x 1, as bandeiras de papel jogadas à rua e a retirada do pendão das nossas janelas. O choque continuou já na irrelevância do resultado contra a Holanda — face à distância entre os finalistas e um melancólico quarto lugar. Não chegamos a exprimir, entretanto, à flor do hino ou do grito, a força trazida em campo por uma Costa Rica. A equipe se recusou a ter bodes expiatórios, ainda que Felipão quisesse cumprir o rito, assumido pela totalidade do time. Atentou-se, aliás, à tranquilidade no semblante do treinador, a ponto de verem muitos um fechamento sobre si mesmo — desligado da catástrofe.

O que desaparece, de vez, é o país como a pátria de chuteiras. E não há como, daqui para adiante, pedir desculpas à nação por um mau desempenho. Some-se o absoluto da consagração simbólica, e o jogo, caído do páramo, volta à pauta de suas rotinas. Esse profissionalismo desapaixonado começou no discurso pós-perda de Felipão, nos comentários sobre a trivialidade de certos lances e até na admissão do apagão dos seis minutos contra a Alemanha como “coisas do futebol”.

As palavras de Dilma foram as da conformação com os resultados, no contraste com o que foi a nossa consagração de campeões, com o presidente Médici, nos governos militares. Minguariam, nas horas subsequentes à derrota, os inconformismos desatados pelo colapso. Nosso ganho, de vez, foi o da dissociação, de vez, do futebol da nossa consciência cívica, e da fatalidade, ou do sucesso, do Brasil em campo.

O Globo, 04/08/2014