A catástrofe da semifinal Alemanha-Brasil não pode atropelar a reflexão sobre o horizonte mais largo do perfil dos jogos da Copa e do quanto eles impactaram, para o futuro, a expectativa de seus desfechos. O presente campeonato mundial instala, de vez, o futebol como o jogo da humanidade, assistido por, praticamente, 2 bilhões de espectadores. Há que atentar ao quanto se organiza essa expectativa de nosso inconsciente coletivo e ao que seja a satisfação ou o repúdio com este desempenho.
O que estaria em causa nesta Copa é a busca sôfrega do gol. Cada vez menos importa como ele é tecido, suas linhas de passe, a trama do espetáculo, diante da bola na rede e sua repetição. Deparamos, então, a confrontação indisciplinada do que seja a busca do tento com a costura paciente dos passes ou a tessitura individual do jogador, nos seus escapes para o arremate ao gol. E o que põe em causa, ao mesmo tempo, a suportabilidade do desfecho sem resultado, levando o "zero a zero" a um verdadeiro atentado contra a natureza da espera, tanto da equipe quanto da assistência.
Cada vez mais se quebra, também, a continuidade do jogo, por mais de pouquíssimos minutos, diante da bola fora, do corner e dos reinícios pelos tiros de meta. Nessa linha, o que mais avulta é a busca ambiciosa do pênalti pelas quedas em campo, pela violência dos carrinhos, dos pontapés e das rasteiras. As sequências da interrupção como que estabelece uma nova cadência para o que se desdobra em campo. E, cada vez mais, a buscar a imobilização física do adversário, a pisada deliberada nas chuteiras ou as joelhadas contundentes nos adversários.
Da mesma forma, as polêmicas com os juízes mostraram que os cartões amarelos nasceram muito mais dos desaforos que das infrações em campo. Inquietante, ao mesmo tempo, tem sido o descontrole de capitães do time, como Tiago Silva, suspenso do jogo subsequente e crucial. Perguntar-se-ia, também - e sempre a voltar ao que, hoje, talvez, emerge no inconsciente coletivo do que se espera do "jogo da humanidade" - se a troca da ênfase do prélio, frente ao corpo a corpo direto, é o que de fato importa para o sucesso ou a desgraça abissal do remate das partidas.
O confronto ganha aura olímpica, a se ver a tragédia facial no excesso de responsabilidade de quem chuta e de quem pega, ou não, nos segundos do arremesso, a enfrentar a desgraça sem volta. A vista em câmera lenta dessas imagens exibe essa situação limite, do lance suportável por um só, na desmesura irrecuperável do instante. E como se, nos espetáculos romanos, voltássemos ao "frente a frente" dos gladiadores, só que sem a chance do perdão da plebe ao vencido. O que ora deparamos na Copa faz pressentir a ferocidade das suas expectativas de futuro, diante de um confronto ávido do desfecho e do repúdio aos "zero a zero".