A democracia tem o mérito de ser inacabada. Atenta ao princípio de inclusão e às vozes múltiplas que desenham seu rosto, ela possui alto grau de permeabilidade e abertura. Ela promove o aperfeiçoamento das instituições, num equilíbrio de força e tensão gerado pelo consenso. A democracia não é um círculo estático, mas uma dinâmica mista e complexa: direta e representativa, individual e coletivista, em que o Estado e os partidos realizam a mediação do poder político, na forma da lei, sob o controle do Judiciário e das modalidades de consulta popular.
As eleições proporcionais e majoritárias de outubro apontam, no entanto, para a disfunção do processo, ao não aprofundamento da Constituição de 88. Fizemos uma minirreforma eleitoral (lei 12.891/ 2013), cujo nome traduz bem sua essência: genérico sem princípio ativo, mudança periférica, que não ataca as mazelas do sistema eleitoral. A escassa reforma só entrará em vigor, de acordo com o princípio da anualidade, a partir de 2015. O que vemos nas convenções e alianças para o pleito é o pragmatismo raso, livre de compromisso ideológico, com o domínio do baixo clero, fantasmas inomináveis e grêmios de chantagem politica. Assistimos à formação de coligações disformes, como o médico e o monstro, que incitam à corrosão do caráter, à dissolução da ética nas eleições, ao estado de agonia extrema dos partidos. Onde estão as propostas consistentes para o redesenho do processo eleitoral? Continuamos com listas abertas, surrealistas, com o quociente partidário discutível, gerando candidatos de última hora, filhos bastardos da transferência de votos.
É preciso discutir a proposta da OAB, CNBB e outras entidades, radicada no financiamento público de campanhas, com doações limitadas de pessoas físicas, não de empresas. Para o ministro Dias Toffoli “pessoa jurídica não vota, quem vota é o cidadão”. Seria uma forma de abaixar drasticamente os custos da eleição, uma exigência moral, em que todos os candidatos partiriam da mesma condição.
Há também a proposta do “voto transparente” nas eleições proporcionais em dois turnos. Primeiro o eleitor votaria somente no partido, que apresenta uma lista fechada em ordem decrescente de candidatos, selada na convenção. O partido se apresentaria como um todo, não como sigla de aluguel ou franja para interesses subalternos. Já no segundo turno, o eleitor escolheria um nome constante da mesma lista, podendo modificar a ordem em que apareciam os candidatos, de acordo com o número de votos recebidos. Seria o fim da transferência alquímica de votos, a reboque de candidatos pré-fabricados e sem expressão.
A democracia brasileira depende de uma reforma equilibrada nas regras do jogo, sem blefes ou coringas na manga. Só assim passaremos do regime de massa para o regime de qualidade humana, do regime da simples linha de sobrevivência para o de direitos iguais no espaço público. Quem tem medo da democracia?