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Novos trajetos de leitura

 

O leitor da Idade da Mídia nasceu convivendo com palavras escritas nos cartazes, embalagens, placas, revistas, jogos; a escrita é presença obrigatória no mundo. O leitor de hoje está em meio à dispersão, imerso no barulho e no caos. O mundo é do aqui e agora. É preciso estar conectado sempre.

Os recursos tecnológicos hoje disponíveis facultam, com um mínimo de conhecimento técnico, a intervenção do leitor diretamente nos textos. Hipertextos transferem parte do poder do escritor para o leitor pela possibilidade e habilidade que este último passa a ter de escolher livremente seus trajetos de leitura.

Assim, ele elabora o que poderíamos denominar “meta-texto”, anotando seus escritos junto a escritos de outros autores e estabelecendo links (nexos ou interconexões) entre documentos de diferentes autores, de forma a relacioná-los e acessá-los rapidamente.

A comunicação tornou-se rápida e concisa, transformando a escrita. A fragmentação, certamente, não iniciou com a internet, mas era muito mais controlada. O texto encolhe cada vez mais, perdendo o aprofundamento. Temos hoje os miniblogs e, por meio do Twitter, instalou-se a twiteratura, na qual as ideias têm que ser expressas com, no máximo, 140 caracteres.

Para alguns autores, esse novo mundo é “emburrecedor”. Quando não se estimulam algumas habilidades cognitivas, elas se perdem. Se a distração é constante, o pensamento não é o mesmo de quem tem o hábito de prestar atenção. Há pesquisas que demonstram a adaptação dos circuitos cerebrais.

Os usuários da internet costumam receber tudo pronto. O jornalista Gilberto Dimenstein, em sua coluna na Folha de S. Paulo, citou uma pesquisa da Universidade de Stanford, sobre a realização de muitas tarefas ao mesmo tempo, o que tornaria o cérebro menos condicionado e menos funcional. Esse distúrbio é chamado de “cérebropipoca”, que dificulta o foco no que é realmente importante, trazendo dificuldades de diferenciar o valor das informações.

Por seu lado, as experiências com hipertexto estreitam a distância que separa documentos individuais no mundo da impressão. Por reduzirem a autonomia do texto, reduzem também a autonomia do autor. O leitor torna-se um construtor de significados ativo, independente e autônomo.

Cada nova pesquisa na internet não muda fisicamente as palavras, mas reescreve o texto, simplesmente por intermédio de sua reorganização, enfatizando diferentes pontos que podem, de forma sutil, alterar seu significado. Os leitores podem criar suas próprias interpretações, independentes das intenções de um autor.

O leitor virtual tem diante de si o poder dos dígitos, que transformam qualquer informação numa linguagem universal. Multimídia é a nova linguagem, e o leitor navega na tela programando sua leitura, escolhendo textos, sons e imagens fixas ou em movimento. O acesso depende, apenas, dos interesses de quem navega.

Tal como o cérebro humano, o hipertexto não possui uma estrutura hierárquica e linear. Sua característica é a capilaridade, ou melhor, uma forma de organização em rede. Ao acessarmos um ponto determinado de um hipertexto, consequentemente, outros que estão interligados também são acessados, no grau de interatividade que necessitamos.

Correio Braziliense, 29/3/2014