Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Eleições e virada de página

Eleições e virada de página

 

Na nossa experiência de democracia, deparamos um partido que se mantém no poder por 12 anos e busca, ainda, a reeleição para um novo mandato. O inconsciente social do País enfrenta o risco, também inédito, de uma possível fadiga do status quo, forçando o desejo de mudanças. Ou seja, e respondendo à profundidade do sentimento democrático, impor-se-ia a alternativa, no quadro das diferenças de regime político. Mas tal é não se dar conta de que a nossa condição não é o de um país sustentável, mas da presença ainda dos desequilíbrios de fundo e das carências que marcam o subdesenvolvimento e a herança das velhas situações coloniais.

No jogo desses tempos de espera à torna do poder, as oposições descarrilaram em forçar um antagonismo, quando a nossa mudança tem sequências rígidas, e seu descarte pode ser, também, o do soçobro do próprio desenvolvimento. Não há formulário anti-Lula ou Dilma que vá a alternativas na presença do Estado na infraestrutura do aparelho econômico, nem na mecânica de desconcentração de renda, nem no acesso da nossa gigantesca marginalidade coletiva ao mercado. Soa, hoje, como supérfluo o inquinar-se o governo nas apostas sobre o jogo entre a inflação e a poupança, ou do mercado cambial na nossa economia externa, ou da taxa de juros, na garantia de investimento brasileiro. Não somos um país, de welfare em que a classe média se pudesse permitir os luxos do liberalismo e do laissez-faire, na mecânica da produção.

Não é, por outro lado, pelo jogo partidário que se pode chegar às contas feitas ou acabadas da mobilização política. A opção governista exorbita, por inteiro, da legenda e do que esperam, os opositores, da desmoralização do PT pela usura no poder. Pesa, sim, a massa do dito “povo de Lula”, saído da marginalidade a partir do Bolsa Família, vivendo de uma pulsão política única no exercício do voto e na marca, sem volta, do seu inconsciente coletivo. O desgaste do partido, como máquina de poder, não atingiu essa experiência virgem da nossa primeira mobilidade social e da chegada da desmarginalização a essa economia de mercado. Nos jogos sucessórios de 2014, não há horizontes para a almejada “virada de página”, nem para os desgastes associados pelo moralismo, frente à usura no poder, a que é imune o “povo de Lula” e o seu voto para um novo mandato. As oposições continuam a manter uma retórica dos países desenvolvidos e enfrentam, exatamente, como parte desse aprofundamento único da nossa democracia, uma mobilização de fundo que supera os cálculos partidários, na sua liminar e decisiva “toma de consciência”.

Jornal do Commercio (RJ), 21/3/2014