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Banco dos Brics

 

É o que parece desenhar-se no horizonte da sexta reunião de cúpula dos Brics, que se realizará em Fortaleza no mês de março. A ideia de um banco de desenvolvimento de países emergentes enseja um debate produtivo, para além do exausto sistema de Bretton Woods, de que o FMI e o Banco Mundial são as pupilas gerenciais. Defendem-se diversas vantagens com o banco de desenvolvimento dos Brics: desde a consolidação da nova ordem multipolar ao incremento das relações sul-sul (“global south”), de uma nova moeda mais forte e alternativa ao dólar até  a expansão dos mercados entre as potências emergentes.
     
Os desafios são enormes e guardam um discreto sabor hamletiano. Depois da embriaguez das cifras realmente elevadas, restará saber como o quantum de democracia de cada país poderá afetar sua capacidade acionária. Desde já o endosso de qualquer decisão, através do sufrágio universal, mostra-se impensável. Seria preciso levar adiante o debate sobre a desigualdade e a lógica da redistribuição, dentro de um quadro ético, não limitado apenas a responder ao FMI, o que seria restritivo e insuficiente. Falta decidir a estratégia do crescimento, se pautado na sustentabilidade ou presa ao velho paradigma, que move a economia chinesa, com graves efeitos ambientais. Um banco de desenvolvimento que se limite à macroeconomia neoliberal ou que se empenhe em programas da “redução da desigualdade”?
      
O mais inquietante de todo o processo é o vício de origem do discurso das políticas econômicas, não importa se desenhadas ao sul ou ao norte, por emergentes ou desenvolvidos: é sempre a economia como fim, uma super-realidade, em que a cultura e a diversidade social perdem a densidade específica e se aproximam do zero! Inúmeras reuniões para a criação do estatuto do banco e nenhum projeto consistente de aproximação cultural entre os Brics. Os novos economistas não se distinguem de seus antigos mestres: tudo sabem e tudo podem. Como se a cultura da paz e o monstro da desigualdade se limitassem a uma repaginação do capital. 
      
Faço essas observações, depois de participar de um encontro com poetas em Nova Deli, promovido pela embaixada do Brasil, o Instituto Camões e a Universidade Millia Islamia. A professora Sonya Gupta desenhou os marcos da mesa-redonda, de que participaram os poetas Mangalesh Dabral, Pankaj Singh, Makarand Paranjape e Savita Singh. Os amigos da Índia evocaram a bela tradução de Tagore feita por Cecilia Meirelles. Disse-lhes que não podíamos começar melhor nossa conversa, evocando nossas canções mais profundas.

Não tratamos da cotação da rúpia e do real, mas da conversão entre duas formas de dizer a lua cheia, nos versos de Cecília ou de Tagore. Cheguei mesmo a pensar na criação de uma agência cultural, de um banco literário capaz de responder ao capital do diálogo entre os povos, agência onde se façam ouvir, em igualdade e plenitude, os sujeitos dessas vozes.     

O Globo, 05/02/2014