Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Velhas hegemonias, novos blocos mundiais

Velhas hegemonias, novos blocos mundiais

 

O novo quadro internacional que se esboça, a partir desta década e que se acelerou no ano findo, depara, de saída, a presença e o impacto dos BRICS, marcados por um dinamismo voltado para seus próprios e gigantescos mercados internos. E há que se perguntar como se delineia, a partir daí, uma nova globalização não-hegemônica, no peso específico e no protagonismo de China, Índia, Brasil, Rússia e África do Sul. Significativamente, seu isolacionismo contrasta com a própria compatibilidade regional, desenhada, nos casos asiáticos, pela sua geografia. A China e a Índia, em conjunto, controlam mais de um terço da população mundial, ao longo de sua coexistência fronteiriça. Mas é em vão que se esperará a mínima ação comum, a multiplicar-se o seu impacto em nossos dias. Reduzem-se – quando existem – a concorências bilaterais. O contraponto Brasil-China na África, por exemplo, disputa os mercados do antigo império colonial português.

Da mesma forma, vemo uma crescente desregionalização do Brasil, no seu quadro continental. O País escapa, em larga margem, às relações, de fato, interativas com as nações limítrofes. Ver-se-ia, inclusive, na presente iniciativa conjunta do Chile, Peru, Colômbia e México, a reformulação de um verdadeiro novo Tratado de Tordesilhas, voltando para uma integração do Pacífico, junto à China, e deixando o Brasil à sua crescente hegemonia atlântica, a envolver, inclusive, a nova configuração africana. Disfuncional, a relação entre o Brasil e os seus vizinhos assume o perfil de assistencialismo econômico com o Paraguai e Bolívia, na condição estrutural de dependência, no coração do continente.

Acelerou-se, também, no ano passado, o problema de emergência regional da Ásia Central, em torno do Cazaquistão, neste novo “vis-á-vis” frente à Rússia, à Índia e à China. Uma liderança vigorosa do governo de Astana, apoiada sobre os trunfos do petróleo, volta-se para o mercado europeu a longo prazo. E tal, buscando uma comunidade de produção com os países vizinhos para enfrentar a concorrência da Arábia Saudita. Ao mesmo tempo, reforça-se o protagonismo da região que lançou incisiva política multicultural. O Cazaquistão só é islâmico à metade, e mantém sua herança soviética. A região apoia, por outro lado, a recuperação cultural e identitária da Armênia e dos curdos, frente à Turquia. Nazarbayev, o presidente cazaque, compromete-se com uma política de desvinculamento nuclear e aposta no desenvolvimento dentro de uma política identitária, vigorosa e prioritária. Esses desdobramentos sugerem, na perspectiva de uma globalização não-hegemônica, o avanço de uma visão de verdadeiro bem-estar mundial, para além de uma coalizão tão só assentada na mantença da paz, em meio ao perigo nuclear.

Os protagonismos coletivos emergentes superam, nesta nova dinâmica internacional, o conceito de prosperidade do antigo universalismo ocidental pelo desenvolvimento, e o contraponto interno de suas dinâmicas, econômicas, políticas, sociais, e, agora, a partir da Ásia Central, do empenho cultural. As novas identidades moldadas pelo presente não só escapam dos quadros continentais, mas largam-se, também, das raízes clássicas de sua formação colonial. É o caso da antiga presença portuguesa na África, em Moçambique, por exemplo, hoje, integrado ao Commonwealth e à língua inglesa, e, pela troca do português pelo francês, cada vez mais, no Golfo da Guiné. Mas é, sobretudo, Cabo Verde que se quer como uma nação “mid atlântica”, identificando-se à sua elite, transplantada ao Massachussets e a Nova Iorque. O país reivindica a língua creola, afastando-se, por inteiro, das falas latinas. De toda forma, o grande descarte assegurado pelos BRICS é o desarme de toda relação centro-periferia, na tradição das dominações, o que hoje, a partir dos BRICS, nos assegura a superação das hegemonias no mundo emergente.

Jornal do Commercio - RJ, 27/12/2013