Carioca é um termo indígena, que significa casa do branco. Revela também não só os que tiveram o privilégio de nascer na cidade mais linda do mundo. Também são cariocas os que aqui vivem e incorporam meios e modos de ser, falar e agir. É um estado de espírito, possivelmente nascido quando os índios tamoios batizaram o rio que liga os altos do Cosme Velho à praia do Flamengo.
Passa, caprichoso, pela residência onde viveu por muitos anos o Dr. Roberto Marinho. Quando recebia visitas, um dos seus prazeres era mostrar o riozinho, cheio de carpas coloridas. Dizia, com muita convicção, “aqui é o meu refúgio em meio à Mata Atlântica.”
Ari Barroso nasceu em Ubá, Minas Gerais. Viveu muitos anos no Rio e incorporou o jeito carioca de ser, até quando exibia o falso mau-humor com que gongava os calouros, no seu famoso programa de rádio. Onde terá buscado inspiração para produzir o seu clássico “Aquarela do Brasil”? A palavra malemolência (moleza, manha) é bem reveladora. E Pixinguinha, com o seu inolvidável “Carinhoso”? Noel Rosa, cantor da Vila, como hoje é o Martinho, não pode estar fora dessa lista, que inclui também o Lamartine Babo. Quem melhor do que ele produziu marchas-rancho de se tirar o chapéu? Aliás, o chapéu de palha ganhou nova dimensão no Rio, caracterizando a figura do bom malandro.
Em que outro lugar do mundo, reúne-se número tão grande de competentes autores populares? Querem um exemplo de hoje? Arlindo Cruz. Talvez por questões da Natureza, do clima, do sol, sei lá, aqui há o maior número de bons compositores por metro quadrado. Alguém reclamará que não citei a dupla Tom e Vinícius. Precisava? Ah, o poetinha diplomata. Que falta ele nos faz, para viver a justa comemoração dos seus primeiros 100 anos.
Outra marca do bom carioca é a maneira de falar. Já disseram que é a melhor do Brasil. O s chiado, o r carregado. Vocês já viram o técnico Joel Santana falando inglês? Está se preparando para a Olimpíada de 2016. Lembro do craque Ibrahim Sued, na década de 1970, tentando falar no MAM com a Rainha Elizabeth: “I see you in London.” A majestade apenas sorriu. O Ibrahim, feliz com a façanha. Tem também os bordões do programa “Zorra Total”, dirigido desde sempre por Maurício Sherman. Criou um jeito peculiar de falar, que a Cidade depois repete sem parar.
E enterro de gente importante? Recordo do que aconteceu na ABL, em 19/02/1997, quando chegou o corpo do Darcy Ribeiro, um mineiro bem carioca. Palmas de todo lado e uma cantoria que só acabou quando o corpo foi trasladado para o mausoléu, no cemitério São João Batista.
Rio de Maracanã lotado para a apresentação de Frank Sinatra. Quase 200 mil pessoas. Choveu o dia todo, menos na hora do show. O Papa Francisco (os cariocas chamam de Chico) disse aqui que Deus é brasileiro. Arrisco mais: brasileiro e carioca. Ninguém, a não ser ele, poderia esculpir a Cidade Maravilhosa e colocar, no seu estreito território, um povo tão especial. Não é isso mermo?
Jornal do Commercio (RJ), 11/10/2013