A partir do inédito da operação militar cirúrgica pretendida pelos EUA na Síria, vivemos uma conjuntura internacional devolvida, de fato, à interdependência das nações. O lance do governo de Washington não encontrou o apoio pretendido do Reino Unido, e teve a resistência inesperada do próprio Congresso americano, entendida, de saída, como pró-Obama.
Às primeiras presunções dos responsáveis pela escala da violência, sucedeu-se um probatório distinto, denunciando as tropas rebeldes pela mesma utilização do gás sarin, nos bairros de Ghouta e Lhatia, nos arredores da capital. Abriu-se, em largo horizonte, a intervenção de Putin, a que se seguiu a declaração de Ban Ki-mon, comprovando a guerra química. Dela se depreendia a perda de qualquer legitimidade unilateral de intervenção. O governo de Damasco aderia ao compromisso internacional de rejeição a todo recurso a armas químicas na manutenção da ordem no país, em um acatamento implícito do status quo nessa área crítica do Oriente Médio.
O que avança, de princípio, é a superação de toda torna a uma globalização hegemônica, sobretudo frente à ação de Putin e a uma nova política de blocos contra blocos, no emergente reequilíbrio de forças internacional. Aí está a sua iniciativa de convocação da aliança efetiva do mundo eurasiano, a partir do Cazaquistão. De vez, Moscou deixa o discurso da dependência desse seu antigo domínio, visto como colonial, para assentar-se, no seu contraponto, na massa asiática, tanto frente à China, quanto ao mundo árabe e iraniano. O recado já surge da primeira visita de Estado a Rowhani, em Teerã, por Nazarbayev, o primeiro-ministro cazaque.
Perfila-se novo jogo de contrainfluências, destacado dos BRICS, cada vez mais longe de uma ação conjunta, e dependendo da bilateralidade crônica, cujo maior relevo vai à China e ao Brasil, especialmente no mundo africano. A aceleração desse novo contexto, neste ano crítico de 2013, depara, ao mesmo tempo, a entrada do globo nos comandos da era virtual e a espionagem generalizada feita por Washington sobre os governos à sua volta. E, nesse particular, ressalta, ainda, o protagonismo brasileiro, ao exigir uma satisfação internacional americana e uma explicação cabal do intento, em face da justificação frouxa, genérica, de um combate permanente ao terrorismo, e à prospectiva dos sucessores de Bin Laden. A presidenta não concordou que as desculpas viessem num sussurro, num jantar de Estado, em Washington. E os novos embates da Assembleia Geral da ONU não fugirão a uma tomada de decisão internacional sobre os limites da segurança coletiva, em meio à exigência dos ditos controles sociais, frente ao que há de absoluto na liberdade como garantia da cidadania de nosso tempo.
Jornal do Commercio (RJ), 27/9/2013