A Unesco vem de realizar em Astana, capital do Cazaquistão, conferência sobre essa outra ponta destes tempos de pós-globalização hegemônica, e da emergência dos BRICS nesta nova coexistência internacional. Concentrou-se no mundo da “quase Europa”, dos países de intermédio entre o Cáucaso, a China e a Índia. Neles, a liderança vai ao Cazaquistão, frente aos uzbeques, turco menos e quirguizes.
Em Astana se pode entender o que é o dinamismo dessa nação – criada, basicamente, há meio século –, com os seus 40 milhões de habitantes. Nela, integra-se, com os cazaques, vindos da estepe eurasiana, todo o contingente russo, quando a União Soviética tinha planos definidos para este sul do Império. Queria vê-lo como uma região de abastecimento agrário, favorecendo a migração de um contingente populacional maciço para o suprimento de gêneros primários, especialmente o trigo, à área caucasiana. Não se delineava, ainda, a enorme produção petrolífera do país, e o papel estratégico dessa commodity na rápida prosperidade dos cazaques.
Astana, nestas suas poucas décadas, evoca, imediatamente, o paralelo com Brasília. Mas trocou a criação, por um só arquiteto, por obras de vários nomes mundiais, todos a deixar a sua obra-prima no correr das avenidas, a começar por Norman Foster. Impressiona, de saída, o vulto da política de cultura na sucessão de museus, de um circo monumental, e da maior mesquita do mundo, superando, inclusive, a Azul e a de Santa Sofia. O país reflete toda a criatividade de seu fundador, Nazarbayev, na prioridade dada à educação, praticamente compulsória, e à monumentalidade do espaço público, criado na estepe. A metade do país é islâmica, mas há uma clara preocupação de uma identidade multicultural, e, sobretudo, prospectiva. Não existe uma aproximação natural com o mundo árabe, e o presidente insiste, cada vez mais, no equilíbrio continental, em franco apoio ao Irã, e, ao mesmo tempo, na acelerada desnuclearização da Ásia Central.
De longe, à frente de seus vizinhos, a preocupação de Nazarbayev é a de eliminar uma política de assistencialismo com os seus vizinhos, juntando a riqueza petrolífera de toda a região numa comunidade capaz de confrontar-se aos sauditas, no delineio, a prazo médio, de uma política de suprimento europeu. Inovador, ainda, o seu multiculturalismo vai ao apoio dado à Armênia, ou aos curdos, na sua reafirmação identitária, num realinhamento de toda a área por uma globalização nãohegemônica. E é com olhos de ver que, hoje, a política externa do Cazaquistão se debruça sobre a criatividade da nossa política petrolífera e, especialmente, sobre o seu impacto social. A primeira viagem de cooperação econômica do governo de Astana, em Brasília, no próximo mês, deve buscar vencer os óbices representados pela ausência de portos naquele país. Num quadro ainda cauteloso de pensar-se o Ocidente no mundo pós-BRICS, o Brasil sai, significativamente, de todos os estereótipos continentais como o grande parceiro latinoamericano para uma globalização não-hegemônica.
Jornal do Commercio (RJ), 6/9/2013