“Precisamos muito conversar.” “Vamos pedir às nossas esposas que marquem um jantar.”
Dois dias antes de falecer, de forma surpreendente, foi esse o último diálogo que mantive com o acadêmico Luiz Paulo Horta, no chá da ABL. Era uma figura doce, de fala mansa, com uma extraordinária capacidade de elaborar editoriais e críticas musicais para o jornal “O Globo”, onde trabalhava há mais de vinte anos.
Conhecemo-nos ainda nos tempos do “Jornal do Brasil”. A sua personalidade era a mesma, e, segundo confessava, só tinha menos experiência. Foi um crítico atento aos trabalhos da Secretaria de Estado da Educação e Cultura, no período 1979-1983, observando com rigor e sabedoria toda a sua programação de óperas, balés e concertos nacionais e internacionais. Tinha sempre uma palavra de incentivo, a maior das quais foi no dia seguinte ao término do meu mandato, quando escreveu o generoso editorial intitulado “Missão cumprida”. Apreciou todas as temporadas, reservando um destaque especial para a ópera “Tristão e Isolda”, de quatro horas de duração, com o famoso tenor John Vickers. Revelou que dificilmente, em qualquer outra parte do mundo, far-se-ia coisa melhor.
Horta trouxe mais vida à Academia Brasileira de Letras. Integrando a diretoria, realizou uma série competente de saraus artísticos, valorizando a música de câmera. Ainda na semana passada, a pianista Carol Murta Ribeiro fez um magnífico concerto, exaltando a obra de Chopin, uma das paixões de Luiz Paulo Horta, que, aliás, era também um exímio pianista. Num dos seus alegres jantares, em companhia da esposa Ana Cristina, serviu de sobremesa um concerto do compositor polonês. Foi uma grande emoção.
Nas últimas semanas, Horta trabalhou muito. Foi o principal redator da visita do Papa Francisco ao Rio de Janeiro, confessando no jornal que “cada um de nós deveria se sentir um elo nessa corrente do amor.” Escreveu diversos pensamentos franciscanos, pugnando pela igualdade de todos e revelando o seu lado místico-religioso: a paixão pelos pobres. Sempre foi coerente nos seus juízos e me perguntou se eu atentara para as seguidas referências à sabedoria judaica, de que ele era profundo conhecedor. Elogiei suas lembranças do rabino de Bratislava. Horta colocou em prática o pensamento do Papa João Paulo II: “Devemos prestar mais atenção no que dizem os nossos irmãos mais velhos, os judeus.” Tinha espírito ecumênico e por isso mesmo era ainda mais respeitado.
Lembro da sua emoção ao contar, na Academia, como se comovera, ao receber, em Juiz de Fora, a medalha da Inconfidência: “Toda a família do meu pai era mineira.”
Luiz Paulo Horta era muito religioso. Cedo perdeu a sua primeira esposa, a professora Cecília, também amada. Com a solidariedade de nós todos, deixa, antes de completar 70 anos, a vida terrena e vai para o céu dos justos. Sua atual esposa Ana Cristina, os filhos, Ana Magdalena, José Maurício (Kiko) e Ana Clara, seus netos e os incontáveis amigos ficam com a dor de uma saudade infinita.
Jornal do Commercio (RJ), 16/8/2013