Ao definir a Academia Brasileira de Letras como “a Casa do “soft power”, na abertura de mais um ciclo de debates, o historiador José Murilo de Carvalho deu a dimensão exata do papel que a ABL está assumindo na cultura nacional. A presidente da ABL, escritora Ana Maria Machado, disse que o ciclo é uma maneira de a Academia tratar a cultura ligando tradição e futuro. O ciclo “Futuros do presente: o Brasil imaginado” começou na última terça-feira com uma palestra do ex-presidente e acadêmico eleito Fernando Henrique Cardoso sobre “o futuro nacional do Brasil”, onde ele ressaltou a importância da cultura brasileira no relacionamento do país com a globalização, destacando que no mundo multipolar atual, o “soft power” é mais importante do que as guerras tradicionais.
O ciclo será coordenado por José Murilo e terá na sequência, sempre às terças-feiras. palestras de Marcelo Neri sobre “o futuro social”, “o futuro internacional” pelo professor da USP Jacques Marcovitch e o “futuro cultural” por Salviano Santiago. José Murilo apresentou o ciclo falando sobre como os país tratam seu futuro: “Os países podem ser caracterizados de acordo com sua postura diante do tempo, isto é pela maneira como vêem no presente, passado e futuro, e como tal visão afeta o presente”.
Deu diversos exemplos: A China usa lentes poderosas, voltadas tanto para o passado quanto para o futuro. Seu presente é pautado pela consciência de séculos de história e por um projeto de futuro igualmente de longo alcance. Portugal usa um espelho retrovisor, consumindo seu presente na admiração de um passado de glórias. Os Estados Unidos, via um crença num destino manifesto, construiu um passado que ajudou a empurrar o país para o futuro. A Inglaterra combinou de maneira pragmática a valorização da tradição com a abertura para a inovação, sem ambições messiânicas para o futuro.
Para José Murilo, o Brasil, “original em muitas coisas, o é também nesse quesito”. No que se refere ao passado, “sofremos de Alzhmeir precoce, nos esquecemos em alguns meses, no máximo em alguns anos, o futuro a Deus pertence, o presente é regido pela conselho de Horácio Carpe Diem, goza o presente. A sequência do verso horaciano acrescenta “e confia o menos possívelk no futuro”.
Quando nos voltamos para o futuro, diz José Murilo, “é na forma da utopia do grande império, ou da grande potencia, que não se conecta a políticas do presente”. A intenção desse ciclo da ABL é, segundo José Murilo. “contrariar nossa relação estéril com o tempo e promover o exercício de visualizar o futuro que se relacione com o nosso passado e nosso presente”.
O ciclo tem a inspiração no Padre Vieira, quer fazer a história do futuro, ou melhor, quer explorar os futuros imaginados no presente. Para tal, “não procurou a ajuda de oráculos ou profetas, mas de especialistas e de pensadores do Brasil. A prospectiva, como a retrospectiva, são condições para o desenvolvimento de uma visão crítica do presente”.
Na sua visão de historiador, José Murilo de Carvalho citou os acontecimentos de junho de 2013, “que ninguém conse guiu prever”, como demonstrações da “precariedade dos exercícios de predição quando estão em jogo ações humanas. Mas o fracasso da predição pode ter sido em parte devido à inadequação dos instrumentos de observação utilizados”.
O ex- presidente Fernando Henrique Cardoso sintetizou sua palestra no fenômeno da globalização “quando é possível saltar fronteiras, não só no sentido de mercadorias, mas também de informações”. Para ele, na situação atual “é muito difícil que os Estados controlem o desenvolvimento social no âmbito de seus territórios. As redes de relacionamento estão aí. Mesmo quando os Estados são autoritários, como na China, há 400 milhões de blogueiros na China. E as conseqüências estão aí nas ruas do Brasil, é uma coisa que escapa muito a tudo que é organizado, a tudo que é institucional”.
Isso quer dizer que o futuro nacional do Brasil precisa, no contexto atual, da interação global. “E essa dialética entre o local e o global, entre o nacional e o internacional é muito complexa e decisiva. Estamos passando por um momento que permite uma integração internacional, mas ao mesmo tempo reforça aspectos que são nacionais”.
Para Fernando Henrique, a cultura passa a ter importância crescente como forma de identidade. Ele citou Joseph Nye, cientista político de Harvard, que chamou a atenção para a importância do “soft power”, a influência dos fatores culturais, que vai ter mais importância do que o “hard power”, com as guerras tradicionais. ( Amanhã, a importância do “soft power”).
O Globo, 10/8/2013