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A voz e a imagem das ruas

 

Ainda há muitas interpretações sobre as origens e os objetivos das atuais manifestações de rua no Brasil. Enquanto as dúvidas se disseminam, algumas verdades podem ser extraídas no movimento. A primeira delas é que havia uma explosiva insatisfação no ar, atingindo governos em todos os níveis. Outra conclusão bate em cheio na demora da condenação dos mensaleiros, com chicanas de toda ordem. A prisão do deputado Natan Donadon, de Rondônia, foi devidamente comemorada, como sintomática do que está vindo por aí — e que depende do STF.

Para uma análise mais concreta dos fatos, observamos uma série de cartazes exibidos nas ruas, para medir as reivindicações populares. Uma delas já foi resolvida, que é a derrubada estrondosa da PEC nº 37, revertendo a jato uma expectativa que era exatamente a oposta do que aconteceu. Ninguém vai mais mexer nas atuais tarefas do Ministério Público. Ponto para os jovens.

Outro item que mereceu resposta rápida foi o que se refere aos recursos para a educação. O governo chegou a propor que o setor ficasse com 100% dos royalties do petróleo. A Câmara dos Deputados foi mais prudente e estabeleceu uma divisão razoável: 75% para a educação e 25% para a saúde, setor igualmente carente de atenção.

Mas o que chamou mais atenção, na nossa pesquisa, auxiliada por netas que participaram das passeatas, foi praticamente a inexistência de cartolinas ou faixas abordando a temática da constituinte ou do referendo popular para a reforma política. Os jovens, basicamente apartidários, não deram valor a esses temas, valorizados pela presidente Dilma, e que soam mais como biombos para esconder o tamanho da crise vivida, especialmente com o recrudescimento da inflação. Não era, positivamente, a prioridade das ruas.

Vejamos alguns exemplos bem elucidativos: “Ei, soldado, estou lutando também por você”. Outro: “Copa no Brasil custa mais caro do que as três últimas edições somadas”. Aliás, a condenação do que foi pago para a construção das arenas esportivas para a Copa das Confederações foi feroz. Além disso, os jovens questionaram a transformação dos estádios de Natal, Brasília e Fortaleza em futuros “elefantes brancos”.

O argumento parece lógico: “Se os times da capital estão na terceira divisão, quando é que o Mané Garrincha vai pegar um grande público?”. Daí o cartaz: “Da Copa eu abro mão! Quero dinheiro pra saúde e educação!”. Ainda bem que fomos campeões, na bela final contra a Espanha.

Este jornal, em sua primeira página, deu a manchete “A nova cara do Brasil”, citando a mobilização pelas redes sociais, sem lideranças ostensivas ou pleitos unificados. Isso em nada menos de 12 capitais. Uma jovem colocou bem alto o seu cartaz: “Desculpem o transtorno. Estamos mudando o Brasil”. Logo ao lado, “A aula hoje é na rua”.

Outra mocinha exibia orgulhosamente: “País desenvolvido é onde rico usa transporte público”. Em outro momento: “Tem tanta coisa errada que nem cabe num cartaz!”. Com uma foto bem esclarecedora, era mostrada “A escola aos pedaços”, o que se repetiu inúmeras vezes em várias cidades brasileiras. A reclamação do mau estado de conservação dos estabelecimentos de ensino tornou-se consenso. Havia quem lembrasse a vitória do Brasil sobre o Japão, na Copa das Confederações: “Brasil 3 x 0 Japão. Mas o Japão nos ganha em saúde, transporte e educação.”

“Verás que um filho teu não foge à luta... Acorda, Brasil” foi uma cena que se repetiu muito, ao longo do movimento, que teve manifestações curiosas, como a daquela moça bonita que escreveu “Odeio passeata, mas estou aqui por um dever cívico”. Outro apelou para a religião: “Ore pelo Brasil!”. Certamente um pedido endereçado ao simpático papa Francisco. O país está assombrado. É preciso ouvir a poderosa voz da juventude.

Correio Braziliense, 5/7/2013