Os protestos da Praça Tahrir, da Avenida Paulista ou da Presidente Vargas são os de um terremoto social pressentido, muito mais do que aguardado. Irrompem de um inconsciente coletivo, num abalo primeiro do enlace entre a própria sociedade e o Estado, nesta nossa dita e redita pós-modernidade. Não vem de agora, mas já da “praça dos indignados”, em Madri, ou do “Occupy Wall Street”, e pode remontar ao “Maio de 68” parisiense. E o que está em causa é a perda da acomodação entre a expectativa visceral da mudança, nutrida pela expectativa do Estado de bem-estar, e a demora do aparelho público suposto a provê-las.
Os gatilhos da explosão serão irrisórios, mas os vinte centavos do aumento de transporte detonaram uma mobilização que escapa às formas clássicas da dita mantença da ordem social. E não pode ser transposta, ao mesmo tempo, a uma programação de reformismos sôfregos, nem a liberalidades do sistema de poder. Nem ser, sobretudo, objeto subsequente de uma liderança, tanto é múltipla como errática a sua reivindicação. Estaria em causa a própria exaustão do desenho da alternativa, no contraponto gasto entre o socialismo e o capitalismo, na usura de todo o último século. Tal, não obstante crescerem os gritos na Praça Tahrir – de que o inimigo é, de fato, a economia de mercado – ou que tenham irrompido as clássicas diatribes contra o consumismo.
Entre nós, esse mesmo inconsciente coletivo foi embalado, já, nesta quase década, pela percepção do desenvolvimento, de par com uma inédita continuidade política, ao lado da melhoria social continuada, na garantia da estabilidade dinâmica, diante de um mero status quo. E entram em causa as apostas sobre a aceleração desse processo pelas suas próprias conquistas e pela sua indiscutível percepção coletiva. Trata-se de um mesmo sentimento que pode levar à percepção de um abuso de encargos, frente à aceleração do benefício prometido pela imersão do país no desenvolvimento. Tais práticas públicas estão ao alcance do sistema, na proposição de contrassímbolos ou de franquias antecipadas e na gestão de serviços públicos que definam aquele bem-estar social, em mão de uma economia dominantemente estatal, como a que assegurou a nossa saída dos progressismos do velho status quo.
De toda forma, os terremotos de 2013, numa escala Richter de abalo, sofrem do confronto entre os choques de uma regressão do bem-estar e da exigência de sua aceleração. E vão viver de uma descontinuidade profunda em que o inconsciente coletivo explode mas não se mobiliza e termina por se exaurir na organização de seu espetáculo. E na monotonia subsequente, que já marca, entre nós, a repetição dos lances da Avenida Paulista ou da Presidente Vargas, exportável a outras capitais do país. Seísmo não tem script, mas memória e cansaço. O mesmo que esvaziou tanto as “praças dos indignados”, quanto o “Occupy Wall Street”. Estamos apenas na infância do que seja a utopia, numa sociedade que estabilizou as suas contradições e, quem sabe, a acomodação de seu protesto.
Jornal do Commercio (RJ), 28/6/2013