O prefeito do Rio foi insultado por um cidadão e revidou a ofensa com um soco na cara do cara. Em São Paulo, outro cidadão mal-humorado reclamou do barulho do sapato que os vizinhos faziam. Pegou uma arma, subiu um andar, matou o casal que estava numa boa, voltou ao elevador e nele se matou.
Em Brasília, dias desses, numa discussão sobre a medida provisória dos portos, o senador que estava presidindo a sessão declarou que, pertencendo àquela Casa havia cinco mandatos, nunca tinha visto uma reunião do Senado tão deprimente, tão vergonhosa, com os pais da pátria se ofendendo de forma tão miserável.
No trânsito paulista e carioca, os motoqueiros e ciclistas estão irritados e irritando os motoristas e pedestres, criando regras próprias que diariamente provocam acidentes, alguns deles mortais.
Há, em toda a sociedade, um estado de beligerância que explode de várias maneiras, todos procuram manter uma serenidade crispada, pronta a explodir a qualquer centelha insignificante.
Congresso e Supremo estão neste caso, guardando uma hipocrisia que ainda pode provocar grave ofensa às instituições. Na mídia, ofensas e acusações são trocadas na base de palavrões, um produto cultural mal recebido pela crítica, e a retaliação vem na base de canalha para baixo.
Vivemos dias de ira lembrados pelo hino de santo Tomás de Aquino e que faz parte dos ofícios fúnebres: "Dies irae, dies illa". Vários poetas traduziram em diversos idiomas esse poema, que fala de um momento em que a cólera, quase sempre gratuita, explode no seio da sociedade.
Os motivos de tais explosões são banais, um carro que fecha a vaga de outro, o som do salto do sapato no piso, um esbarrão na rua, um freguês mal atendido num restaurante. E temos a ira: o dia da ira.
Folha de S. Paulo (RJ), 26/5/2013