Num dos primeiros filmes do neorrealismo italiano, o forasteiro chegava a uma cidade do interior e perguntava para que servia a alta muralha no meio da praça. Alguém informava: "Ali funcionava a prisão de emergência. No início, eram os fascistas que a usavam, para nela colocar todos os suspeitos de antifascismo. Agora, são os democratas-cristãos que botam atrás da muralha todos os suspeitos de terem sido fascistas". Bem, como exemplo da eterna briga de cão e gato, serve.
Alguns escândalos e crimes estão sendo ressuscitados, na imprensa e fora dela, e são muitos aqueles que consideram esta atitude revanchismo, um episódio a mais da mesma luta de cão e gato. Não é bem assim.
Uma sociedade só é civilizada quando garante a seus cidadãos direitos e deveres. Na administração da "práxis" social, o direito de punir um crime se transforma em dever de toda sociedade. Em 1964, logo após o movimento militar, milhares de pessoas foram presas e centenas de personalidades tiveram seus direitos políticos suspensos e seus mandatos parlamentares cassados.
Não se formaram processos, as investigações eram secretas, não havia direito de defesa, enfim, foi a "razzia" à fascista. Muitos foram expulsos e exilados, outros morreram de forma misteriosa e outros, ainda, foram assassinados. A simples acusação valia como prova.
Lembro que, na ocasião, abril de 1964, escrevi uma crônica no finado "Correio da Manhã", que meu pai considerava a mais importante da vida profissional do filho.
A crônica tinha título em latim, "Res sacra reus", e eu pedia que os prebostes da época respeitassem a pessoa do réu, em cuja sacralidade reside a própria sacralidade da justiça. Evidente que ninguém atendeu ao pedido e às prisões, expurgos, violências e exílios continuaram, e se agravaram ao longo dos anos.
Folha de S. Paulo(RJ), 28/4/2013