Somam-se, no pontificado de Francisco, os sinais de uma radical alteração do regime do pontificado, tanto no desbarato da Cúria quanto na emergência de uma visão global dos novos rumos a serem trilhados pela igreja.
Deles, sem dúvida, o de maior alcance é a criação do colegiado de cardeais, de todas as regiões do globo, para pensar a renovação de um catolicismo, de fato, aberto aos "sinais dos tempos", na esteira, cada vez mais nítida, da mensagem do Vaticano 2º.
O papa insistiu, ao mesmo tempo, em como quer sobrelevar o mandato do bispo de Roma em relação ao do pontificado clássico. E, nessa mesma linha, e de logo, retornar aos colegiados dos primeiros séculos e, sobretudo, romper com a tendência centralizadora da associação entre o papa e seu secretário de Estado, no duo do poder no Vaticano.
Paulo 6º, inclusive, reforçaria este "status quo", no caminho dos últimos pontificados e, em especial, no binômio Ratzinger-Bertone, que atendia à vocação espiritual do pontífice, aspirante, até, a uma quase vida monástica, talvez determinante na sua renúncia.
A determinação do papa Francisco comprometia-se com um novo anúncio, através dos três minutos da sua fala preliminar ao conclave.
Encarnou, sem volta, a aspiração a uma igreja profética, ao condenar o "narcisismo teológico", no luxo dos bem pensantes, voltado para uma "espiritualidade mundana", e uma autossuficiência no conforto da fé, na rejeição do verdadeiro espírito missionário.
A evidência da escolha se consagrou na rapidez do conclave. Os "sinais dos tempos", traduzidos no impacto das primeiras aparições de Bergoglio, somaram à mudança do tom a quebra das expectativas clássicas do "povo de Deus".
A gigantesca missa da Páscoa, na praça São Pedro, reunindo mais de 250 mil pessoas, ouviu o papa pedir momentos de silêncio à massa, a reclamar uma reflexão interior, e a quebra imediata das ditas "consciências satisfeitas" da mornidão católica.
Na marca do novo anúncio, repercutiu a leitura da missa em línguas sucessivas, a que não faltaram os idiomas eslavos e, sobretudo, a percutente fala em chinês.
No sorriso de Bergoglio, irrompia o recado dessa "firmeza com ternura", que recomendou à própria Cristina Kirchner. E a mensagem decisiva contra o perigo das asceses egoístas, ou das pompas litúrgicas, a levar a uma igreja exilada, pelo espetáculo e pela autorreferência, do anúncio missionário da boa-nova.
Folha de S. Paulo, 23/4/2013