A avalanche da acolhida universal do Papa Francisco envolve, de imediato, a previsão do seu segundo tempo, ou de como vão se comportar as expectativas, após o impacto da escolha do Papa Bergoglio. De saída, no inevitável con-tra-tom, a nova imagem internacional foi à mídia, com o máximo detalhe, na alegada colaboração do Bispo Bergoglio com as autoridades militares, na eventual denúncia de padres de esquerda. De toda forma, o pontificado vai avançar, sem restolho, nem bombas de tempo, pela contundência dos desmentidos do único Prêmio Nobel da Paz argentino, Perez Esquivei, exatamente sobre Direitos Humanos. A recepção crítica insiste, por outro lado, em que o debruçar do Papa Francisco sobre os pobres pode permitir uma "retórica da caridade", ou a concentração das dimensões sociais do pastoreio, numa clássica política assistencialista. O pontífice, numa visão realmente global do seu ministério, penetraria nas próprias estruturas dos modelos da prosperidade contemporânea, a acelerar a concentração de renda, em todos os quadrantes da atualidade.
As primeiras e ricas menções de Bergoglio ao pluralismo cultural do novo século irão a uma dimensão ainda mais ampla que a do extraordinário sucesso da vinda do Patriarca de Constantinopla à posse do Papa Francisco. Não são só os gestos irrevogáveis do relance do ecumenismo, contido pelos seus antecessores, que aí despontam, mas a expectativa e o diálogo entre as culturas, a partir, sobretudo, do confronto islâmico latente, desde a catástrofe do 11 de setembro. Aí está, neste particular, a cobrança que as Nações Unidas dirigem ao Vaticano, por uma luta universal contra o terrorismo, a buscar a abertura com o Islã e, possivelmente, assentá-lo no chão difícil do reconhecimento dos direitos humanos e, sobretudo, da diferença, como já pontuam as homílias da primeira semana.
Bergoglio, pelos anos-luz destes dias, criou alternativa irreversível à antiga visão hierática da Igreja. E são nos gestos, tanto os solenes, quanto os comezinhos, que o choque já assentou o inédito da expectativa. E, mais ainda, reforçou-o, com a remoção imediata de qualquer anticlímax. Mas sua garantia fica na certeza de que o Papa global vai muito além do gesto de quem se viu, de saída, da bancada de S. Pedro, como o Papa do fim do mundo.
Jornal do Commercio (RJ), 29/3/2013