Como alguns - ou muitos, quem sabe - de vocês temiam, não foi ainda desta vez que desapareci em Itaparica, para nunca mais ser visto. Houve a tentação e a oportunidade, mas resisti, desconfiado do que queriam dizer os sorrisos dos interlocutores, quando se inteiravam dessa possibilidade. E aí eis-me de volta, naturalmente trazendo-lhes a narrativa de alguns dos empolgantes acontecimentos que marcaram minhas férias. Como todos os escolares de meu tempo, treinei para isso no colégio. A diferença está em que, nessa época, a maioria de nós contava as piores lorotas sobre as férias, ou com o objetivo de impressionar uma colega e talvez a professora (eu mesmo era suspirosamente apaixonado pela minha professora de português, no antigo ginásio), ou porque as férias de verdade não tinham sido das mais famosas. Mas o que se segue não são lorotas e está aí Itaparica inteira, que não me deixa mentir.
Bem que eu gostaria de me gabar, falseando certos eventos em que não me dei muito bem, mas à falsidade se somaria grave injustiça. O certame de deitação em rede, este ano, foi novamente conquistado com margem larguíssima pelo hoje pentacampeão Gugu Galo Ruço, como sempre seguido por Vavá Major, que, por sinal, continua não fazendo nada com a competência habitual. Gugu me revelou que passou o ano inteiro treinando nas redes que instalou em seus inúmeros escritórios (ele é rico milionário em Salvador, onde diz o povo que, quando se aborrece, bebe uísque de 500 contos o gole como se fora caldo de cana) e que sua marca de 34h09m16s cravados, sem sair da rede para absolutamente nada, podia ser melhorada e certamente será. "Preciso aprimorar minha preguiça de fazer xixi", me confidenciou ele. "Não posso contar somente com meu talento natural." Quanto a mim, fiquei até abaixo de minha melhor marca anterior, de pouco mais de 27 horas, desta feita prejudicado pelo aguaceiro que pôs em ação uma goteira bem acima de minha rede. O bom redista não cai fora nem debaixo de chuva, mas a agitação desta vida em cidade grande acaba com meus reflexos de repouso e sair, mesmo que para escapar da chuva, é pelas regras considerado abandono de rede. Mas, para o ano, tento novamente, é uma inatividade proveitosa, ensina muito.
A adrenalina foi garantida pelo esporte radical que praticamos debaixo da mangueira. As mangas dela são enormes. Todo mundo tenta ver se há alguma à beira de despencar na cabeça de alguém, mas é difícil enxergar todas, porque se camuflam no meio da folhagem densa. O resultado é que conversar à sombra fresca da mangueira vira uma roleta-russa. Em vez de um tiro, o participante toma uma mangada no quengo de pelo menos meio quilo. Todos já conhecem e praticam bem a manobra de proteger a cabeça com os braços, ao menor farfalho na copa da árvore, mas, assim mesmo, o suspense é grande. Contudo, é considerado um pamonha desprezível aquele que deixa de viver momentos de contentamento únicos, apenas pelo receio de uma traulitada no cocuruto. É o mesmo tipo de raciocínio dos comedores de baiacu: não se vai deixar de desfrutar de uma iguaria do mar somente porque ela, se houver descuido no trato, pode envenenar, isto é argumento dos faltos de grandeza e espírito de aventura. Eu, que não tenho essas grandezas todas, não como baiacu, mas passo muito tempo embaixo da mangueira, se bem que ultimamente venha pensando em comprar um daqueles capacetes de operários de construção.
No setor político, não se pode dizer que os acontecimentos envolvendo o Congresso hajam surpreendido a opinião pública na ilha. Zecamunista chegou a oferecer 100 por um a quem apostasse contra a eleição de dr. Renan, mas não encontrou desafiantes.
- Eu sabia que ninguém ia aceitar, só fiz por esporte - disse ele. - Aplicar dinheiro para mudar os destinos do País só resolveria se fosse usado com o Senado e a Câmara mesmo. Mas aí a concorrência esmaga, nem para comprar voto em moção de aplauso eu tenho dinheiro. O voto anda cada vez mais caro, ultimamente esse pessoal está muito mal-acostumado, devia haver uma tabela fixa, não se pode deixar esse tipo de coisa entregue aos caprichos do mercado. Capitalismo selvagem é o que impera na política brasileira, você devia escrever um artigo sobre isso, em vez das besteiras de sempre.
E, finalmente, vim terminar as férias no Rio. Acionar a descompressão, esquentar os neurônios que ainda dão partida, preparar o retorno ao trabalho. Entre outras coisas, ler os jornais, o que não tive tempo de fazer na ilha (pode-se ler jornal na competição de deitação, mas é considerado meio amadorístico, além de estressar a musculatura dos braços e do tórax, para não falar que gasta os óculos). E confirmar, mais uma vez, que nada mudou. Nova e sensacional reviravolta alimentar, desta feita com um ataque da manteiga devastador. Depois de ter sido banida estrepitosamente da dieta de várias gerações, agora é aclamada como alimento de boa qualidade e - sintam aí os que, pelo resto da vida, sob esbregues médicos, abdicaram chorosamente de uma simples bolachinha com manteiga, para não falar num ovo esplendorosamente estrelado nela - fonte de bom colesterol, bem como antioxidante, é a última novidade científica que li no jornal. Que mais da mesma coisa? A mesma coisa. Ah, sim, houve enredos de escolas de samba homenageando a Coreia, a Alemanha e Cuiabá. Senti nisso a mão do destino. Faz muitos e muitos anos, na casa de Jorge Amado, em Salvador, eu compus um samba-enredo, intitulado Exaltação a Luxemburgo, que fez sucesso entre os presentes, mas foi tido como irrealizável. Hoje, não mais. Ainda lembro o refrão e está tudo à disposição dos interessados, pois já é tempo de celebrarmos esse pequeno grande país amigo, "a terra dos maiores dramaturgo", na feliz rima que meu samba encontrou.
O Estado de S.Paulo, 17/2/2013