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O romper do ano, decepções e boas catástrofes

 

O fim de 2012 discrepa de todo esse advento do futuro, como se pensava, ainda, na abertura do novo século, acreditando na civilização da paz e no avanço acelerado do. O 11 de setembro torna-se, cada vez mais, o marco da ruptura com a crença nessa hegemonia tranquila e crescente dos valores indiscutíveis, até então, do universo, como entendido pelo Ocidente. Enfrentamos a "guerra das religiões" como o terrorismo da fé, a partir da destruição de Bin Laden. Mas a Al-Qaeda permanece, enquanto ameaça latente, descentralizada, verdadeiro suicídio cívico, como mostra a violência pontual no Afeganistão, na índia, ou no Paquistão. Foi, no entanto, a aceleração dos impasses da Primavera Árabe que tornou mais nítido ainda o que se reputava, independentemente dos conflitos culturais, uma conquista da consciência da humanidade, qual a da democracia ou do laicismo, ou da superação, de vez, dos fundamentalismos religiosos.

A derrubada das ditaduras no norte africano não implicou o surgimento de regimes políticos da coexistência das diferenças, e da garantia do direito à voz, de todas as minorias. Os sucessos eleitorais no Egito levantam o perfil de um Estado religioso, maciçamente dominado pela Fraternidade Muçulmana. E há que se saber qual o recado último da Praça Tahrir, e até quando ela vai, de novo, regurgitar de manifestantes. Se a identidade cultural é o remate de um sistema de poder, o essencial do imperativo democrático é a crescente e irreversível aceitação dos pluralismos.

O avanço do véu na Turquia, por outro lado, põe em causa o grande repto de Atatürk, há pouco menos de um século, justamente no auge do entendimento do Ocidente como modernização "urbi et orbe". Os paradoxos, hoje, crescem, no largo consenso, por exemplo, em que a Malásia assentou, na sua Constituição, o islamismo de todos os cidadãos. No mais fundo da consciência, já, destes dias, avança um sentimento em contraponto muito mais do que o da velha hegemonia do clamor religioso, em que os Estados Unidos se vêem, hoje, agonicamente, divididos entre democratas e republicanos. A campanha de Romney reclamou a religiosidade frontal de seus novos líderes, a partir de Paul Ryan, e as tomadas de posição radicais, e em temáticas contra o casamento de homossexuais, o aborto e a eutanásia.

As novas restrições migratórias na Alemanha ou na Inglaterra quase apontam a um possível e inquietante novo malthusianismo racial, freando a entrada de africanos e árabes nos seus territórios. Mas aí está, e ao mesmo tempo, o gigantesco neocapitalismo do Oriente Médio, sabiamente organizado como refugo na crise internacional, fugindo ao colapso do nervo econômico no Ocidente. Os arranha-céus miríficos de Abu Dhabi, do Qatar, ou do Barhein, se sucedem nas suas torres vazias e opulentas, na pré-construção de um novo mundo urbano, em que os consórcios capitalistas já se acautelam da exaustão do petróleo e da primária riqueza árabe. Mas, à margem dos sucessos ou "boas catástrofes" da prosperidade, já mal se desenha o do mundo dos BRICs - e dos imprevisíveis enlaces em que a China e a índia vêm a nós, e nos descartam, de vez, da sina de país periférico.

Jornal do Commercio (RJ), 04/1/2013