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Lima Barreto, o defensor do tupiguarani

 

Em 2012, a Semana de Arte Moderna de 1922, que produziu obras de qualidade em diversos segmentos artísticos, completou 90 anos e foi lembrada com muitos eventos. Mas, para a literatura brasileira, 1922 marca também momento de grande tristeza: a morte de Lima Barreto. Foi um escritor atento, que soube como poucos registrar as principais mudanças sociais, políticas e culturais ocorridas no final do século 19 e início do 20. Incompreendido no passado, hoje Lima Barreto é reconhecido como um dos maiores romancistas brasileiros.

Afonso Henriques de Lima Barreto, nascido em 13 de maio de 1881 no Rio de Janeiro, era filho de João Henriques de Lima Barreto, tipógrafo da Imprensa Nacional, e de Amália Augusta Barreto, professora. Graças às ligações do pai com o Visconde de Ouro Preto, ministro do Império, que também foi seu padrinho de batismo, ele frequentou os bancos escolares do antigo Ginásio Nacional (hoje, Colégio Pedro II) e também foi aluno da Escola Politécnica, onde pretendia se formar no curso de engenharia. Foi nesse estabelecimento que travou conhecimento com figuras como Bastos Tigre, que o levou a colaborar em diversas publicações, inclusive na imprensa estudantil.

Depois que o pai foi internado, após ser diagnosticado como louco, Lima Barreto abandonou os estudos (em 1902) e assumiu a responsabilidade de administrar e sustentar a família, constituída de pai e três irmãos, já que a mãe havia falecido quando tinha 6 anos. Por meio de concurso público, passou a trabalhar na Secretaria de Guerra, em 1903. O curioso é que havia apenas uma vaga e ele ficou em segundo lugar, mas, como o primeiro colocado desistiu, Lima Barreto foi convocado a assumir o posto.

Mais tarde, em 1907, fundou a revista Floreal, com Antonio Noronha Santos, Ribeiro Filho, Curvelo Mendonça, Fábio Luz e outros. Apesar de terem sido editados apenas quatro números, a revista teve o privilégio de publicar capítulos do romance Recordações do escrivão Isaías Caminha, que na época chamou a atenção de José Veríssimo. Em 1909, esse romance foi lançado em Lisboa, com boa receptividade.

O livro mostra os bastidores de um grande jornal, onde o escrivão observava o preconceito racial contra os negros e mulatos no período posterior à abolição da escravatura. Outras atitudes lamentáveis também eram registradas pelo
personagem. Por essas particularidades, Josué Montello achava que o personagem Isaías Caminha era o alter ego do próprio Lima Barreto.

Ainda seguindo a moda dos folhetins, o escritor iniciou a publicação de Triste fim de Policarpo Quaresma no Jornal do Commercio, em 1911. Trata-se da principal obra de Lima Barreto. As frustrações do funcionário público Policarpo
Quaresma, fanático e sonhador, são levadas às últimas consequências, e suas reivindicações, ridicularizadas. Afinal, sugerir a substituição do português pelo tupi-guarani como língua oficial do Brasil só poderia ter como resultado a
internação do personagem em hospício.

Outra obra marcante de Lima Barreto que também veio a público em folhetins foi a sátira Numa e a ninfa, nas páginas do jornal A Noite, em 1912. Ele soube utilizar com maestria os atos do personagem Numa Pompílio de Castro, bacharel e deputado, para desmontar os tipos dominantes da sociedade burguesa de então, criticando a hipocrisia e os falsos moralismos.

Em 1919, Lima Barreto lançou o livro Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá, sátira dos costumes da época aos doutores e burocratas. A obra recebeu elogios de João Ribeiro e Alceu Amoroso Lima. Outros livros foram editados (alguns após a sua morte) e compõem, com os quatro citados antes, um conjunto de obras marcantes, que engrandecem a literatura brasileira: Clara dos Anjos, Diário íntimo, O cemitério dos vivos, Bagatelas, Os bruzundangas e Coisas do Reino de Jambon. Ele também colaborou em diversos jornais e revistas.

Problemas de saúde sempre acompanharam o escritor Lima Barreto, principalmente devido a abusos no consumo de bebidas alcoólicas. Em 1914, ele já havia sido recolhido em um hospício, fato que se repetiu dois anos depois. Quando foi diagnosticada sua incapacidade, em 1918, foi aposentado do serviço público. No ano seguinte, mais uma passagem pelo hospício mostrava-o ainda dependente da bebida. Até que em 1º de novembro de 1922, aos 41 anos, morreu de colapso
cardíaco.

Correio Braziliense, 22/12/2012