Pouco antes de morrer, Antonio Callado foi entrevistado pela Folha, da qual era um dos mais conceituados colunistas. Foram declarações amargas de um profissional respeitado pela sua trajetória na imprensa e na literatura. Ao fazer a análise do seu tempo, Callado disse que faltava à sociedade brasileira, incluindo todos os seus setores - política, economia, justiça, mídia etc., uma "âncora moral".
Tudo ficava permitido em nome de vantagens legais ou ilegais em todos os meandros da vida social. No vale-tudo pelo poder ou pelo prestígio, a lei seria a do cão ou do leão, notáveis pela sua voracidade.
Na escala zoológica, nem todo cão é feroz e há leões que se apresentam em circos, mansamente, para encanto do respeitável público. Ninguém falava ou pensava no cupim. Animal minúsculo, mas não inofensivo, sem direito ao latido ou ao urro, mas capaz de desmoronar um prédio ou uma instituição.
Estamos na era do cupim tudo parece bichado. Em crônica recente, com a liberdade da metáfora, comparei o Palácio do Planalto e seus anexos a uma boca de fumo, foco que abastece o noticiário policial.
Haja nomes para designar as sucessivas e nunca resolvidas operações da Polícia Federal ou da Procuradoria-Geral da União:
Satiagraha, Monte Carlo, Porto Seguro etc. Os relatórios são alterados ao sabor das pressões oficiais ou oficiosas estas últimas exercidas por todos os que se beneficiam do sigilo da fonte.
O caso mais assombroso, o mensalão, teve origem na entrevista de Roberto Jefferson a Renata Lo Prete, que não invocou o sigilo da fonte e deu no que deu. Numa CPI ainda em atividade, o relator foi obrigado a tirar referências a autoridades e jornalistas. O cupim trabalha em sigilo.
Folha de S. Paulo (RJ), 2/12/2012