Creio já ter contado por aí, em livro ou em crônica, a história do lorde inglês e seu mordomo, que devia se chamar James, como todo mordomo que se preze. Os dois estavam diante do janelão, olhando a paisagem da verde e querida Inglaterra, quando James, hierático, ao lado da cadeira de rodas onde ficava seu amo e senhor, disse para dizer alguma coisa: "Acho que teremos chuva, my lord".
O lorde continuou olhando a paisagem, mas colocou as coisas em seu devido lugar: "Não, meu caro James. Eu terei a minha chuva. Você terá a sua chuva".
Não sou lorde nem tenho mordomo. Mas tenho minha própria chuva enquanto todos os outros, o papa, o Valério, o Barack Obama, o Joaquim Barbosa, sobretudo todas as mulheres que me conheceram mas que eu não consegui conhecer, toda essa gente tem a sua chuva eu tenho a minha.
Por mais que lamentasse a tragédia do furacão Sandy e lesse enfastiado as previsões sobre a eleição nos Estados Unidos, por mais solidário com as baleias ameaçadas de extinção e não tenha opinião sobre a dosimetria aplicada pelo STF aos réus do mensalão, tudo isso faz parte da chuva do tal James um James coletivo, metáfora do inferno que são os outros, de acordo com um dos meus mordomos preferidos, J.P. Sartre.
Embora não seja lorde de porra nenhuma, volta e meia uso uma cadeira de rodas para deslocamentos maiores, problema recente com o maior osso do meu esqueleto: o fêmur.
Não preciso dos verdes campos da Inglaterra para saber se vai chover. Um cadeirante, mesmo provisório, vê o mundo de forma até certo ponto divertida. Furacão em Nova York, guerra civil na Síria, crise do euro, os novos rumos da MPB são problemas que deixo de bom grado para os James da vida.