Quais as condições para que alguém seja bispo na Igreja Católica? O Código Canônico explica: sólida fé, bons costumes, piedade, prudência, boa reputação, pelo menos 35 anos de idade, doutorado ou mestrado em Sagrada Escritura etc. Comenta D. Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo: “A norma, os procedimentos, está tudo lá. Difícil é fazer”.
O jornalista J. D. Vital, mineiro, ex-seminarista, resolveu saber como se faz, e entrevistou pessoas como D. Odilo. O resultado disso é “Como se faz um bispo, segundo o alto e o baixo clero”, substanciosa pesquisa sobre os meandros da Igreja Católica, que não termina com uma resposta conclusiva, mas abre panoramas instigantes.
O bispo, diz a tradição, é um “príncipe da Igreja”. Em tempos antigos, a rede de dioceses (cada uma delas com o seu bispo) salvou a Europa do caos completo, quando acabou o Império romano. Daí a expressão “vá se queixar ao bispo”. Depois, os Estados modernos, em muitos casos, puseram os bispos debaixo de suas asas, e assim começou uma tremenda disputa entre o Vaticano e os reis católicos.
Hoje não há mais essa interferência. Quem nomeia é o Papa. Mas sabendo-se que são cerca de 200 nomeações por ano (a maioria para cobrir aposentadorias, num colégio episcopal que tem cinco mil membros), de onde o Papa extrai os dados para essas nomeações? Esta é a história que o autor do livro propõe-se destrinchar, com resultados variáveis, mas sempre interessantes.
Críticos da Igreja (inclusive de dentro da Igreja) dizem que, de uns tempos para cá, a condição para ser bispo é estar “alinhado” com as diretrizes de Roma. Esta é uma velha dialética, que ora vai para o “centro”, ora corre para a periferia. Desde João Paulo II tem prevalecido a linha “centralista”. O papa polonês, que vinha de um país comunista, não tinha paciência com certas linhas da Teologia da Libertação que flertavam abertamente com o marxismo. A consequência disso foi uma pressão tremenda, vinda de Roma, no sentido de neutralizar essas tendências. Na Igreja brasileira, um dos exemplos foi a substituição de D. Helder Câmara por um bispo (José Cardoso Sobrinho) que fez a roda girar em sentido contrário, mas de um modo tão bruto que chocou a comunidade local. No livro de Vital, representantes do que se poderia chamar de “esquerda católica” abrem fogo contra a “linha romana”, a ela atribuindo o que seria uma perda de expressão do episcopado brasileiro.
Por essas e outras razões, há quem relembre, com um toque de nostalgia, os primeiros tempos da Igreja, quando o bispo podia ser escolhido por votação da própria comunidade. Essa visão é considerada “romântica” por figuras de peso como o falecido D. Luciano Mendes de Almeida, insuspeito de ser “vaquinha de presépio” do Vaticano. D. Luciano achava que, apesar das falhas, o “processo” funciona bem.
Figura importante nesse processo é o núncio apostólico uma espécie de embaixador do Vaticano, que, na jurisdição que lhe cabe, multiplica as pesquisas e a busca por informações. Esse trabalho é enorme num país como o Brasil, com suas 275 dioceses (é a nação com maior número de sedes episcopais no mundo). O núncio recolhe sugestões, informações que depois são encaminhadas a Roma. O que se leva em conta: dotes pessoais, dotes humanos, comportamento, ortodoxia, disciplina (fidelidade ao papa), experiência pastoral. Mas nisso tudo entram os “mistérios romanos”. “Roma gosta de mostrar que é ela quem faz os bispos”.
Certamente há prelados influentes o arcebispo do Rio de Janeiro, D. Eugenio Sales, foi um deles. Mas na hora de fazer o seu sucessor (porque já tinha chegado à idade da aposentadoria), D. Eugenio viu seus preferidos serem preteridos por um bispo de Santa Catarina D. Eusebio que o Papa João Paulo II conhecera numa viagem ao Brasil. O núncio Rapisarda também teria tido parte nessa “ultrapassagem” de D. Eugenio (e comenta-se que, mais tarde, foi punido por isso, dadas as conexões romanas do ex-arcebispo do Rio de Janeiro).
Hoje em dia há quem enfatize, neste como em outros aspectos, o papel da imprensa. É o que diz o promotor de justiça da Congregação para a Doutrina da Fé: “Os meios de comunicação certamente abriram os olhos de todos para aspectos da vida da Igreja” como a questão terrível dos padres pedófilos. O escrutínio, com isso, tornou-se maior. Diz um entendido: “Quem quiser ser bispo, hoje, tem de relacionar-se bem com os colegas do clero, nunca se descuidar em matéria de moral”. Inclusive porque, nesse processo complicado, há o que se chama a “invidia clericalis” um veneno que nunca deixou de circular no interior da Igreja, como em qualquer grande organização. O último segredo de um bom bispo, nesse caso, acaba sendo a santidade de vida.
O Globo, 13/10/2012