Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Jorge Amado volta a Ilhéus

Jorge Amado volta a Ilhéus

 

Ao jantar no bar Vesúvio, em Ilhéus, é possível encontrar a escultura de Jorge Amado, como se fosse ele próprio, sentado numa das mesas daquele lugar consagrado na obra do escritor baiano. De sandálias e tudo. Ninguém resiste a cumprimentar o autor de Gabriela, como se ele pudesse responder ao agrado. É muito forte a sua presença na capital do cacau, onde residiu, depois de nascido em Itabuna.

O motivo da nossa ida foi um convite da reitora Adélia Maria de Carvalho Pinheiro para uma palestra, na Universidade Estadual de Santa Cruz, a propósito do centenário de Jorge Amado. Falei para alunos e professores da instituição pública que já tem 21 anos de existência e hoje abriga uma comunidade escolar de 11 mil pessoas, situando-se entre Ilhéus e Itabuna.

Foi uma boa oportunidade para reviver o estilo na obra de Jorge Amado. A história da sua vida é recheada de idiossincrasias. A formação escolar, por exemplo, incluiu a passagem por um colégio jesuíta, no período do curso secundário, e com certeza esse fato não deve ter colaborado muito para estimular a verve artística do escritor baiano.

O ensino oferecido pelos jesuítas primava pelo uso de práticas pedagógicas e de comportamento até certo ponto rígidas e tradicionalistas. Com certeza, eram concepções totalmente diferentes das opções feitas por ele, que sempre buscou valorizar, por meio de sua arte, as manifestações populares como forma de revolucionar e criar novas linguagens.

Passado o período de estudos com os jesuítas, ele optou por uma vida despojada, sem muito compromisso, na capital baiana, onde dava os primeiros passos como jornalista. Foi nesse momento que integrou o grupo Academia dos Rebeldes, do qual também fazia parte Edson Carneiro, que mais tarde se tornaria um dos maiores folcloristas brasileiros. Como se pode deduzir, participar de academias era uma aspiração do escritor baiano, que passou a integrar a Academia Brasileira de Letras, em 6 de abril de 1961, ocupando a cadeira 23, cujo patrono é José de Alencar, engrandecendo a instituição por 40 anos, até a sua morte, em 2001.

Cabe aqui uma observação para falar do crítico Antônio Cândido, cujo livro Formação da Literatura Brasileira é considerado uma fonte de referência das mais confiáveis. Apesar de ele usar os acontecimentos históricos e sociais localizados nos períodos em que as obras foram escritas com muito critério para emitir suas opiniões, ele procurou realçar a força poética que detectou nos temas dos diversos romances analisados.

O que vemos a seguir é uma declaração de amor de Antônio Cândido, entusiasmado pela simplicidade do estilo do autor de Jubiabá: “Na nossa literatura moderna, Jorge Amado é o maior romancista do amor, força de carne e de sangue que arrasta os seus personagens para um extraordinário clima lírico. Amor dos ricos e dos pobres; amor dos pretos, dos operários, que antes não tinha estado na literatura senão edulcorado pelo bucolismo ou bestializado pelos naturalistas”.

Trata-se de uma obra que consegue conquistar leitores e críticos com a mesma intensidade. Uma obra que, para Alfredo Bosi, teve uma caminhada multifacetada no decorrer dos anos: iniciou com tintas de “romance proletário”, passou por depoimentos líricos, seguiu a cartilha da pregação partidária, especializou-se na valorização da região cacaueira e, por fim, estabilizou-se na produção de crônicas de costumes provincianos.

Ao abordar a questão da infância abandonada, em Capitães da areia, Jorge Amado conseguiu captar toda a atmosfera reinante no período do Estado Novo. O texto revela o cotidiano daqueles meninos, entregues à própria sorte, investindo na prática de delitos, construindo uma história triste e ao mesmo tempo comovente, enfim, buscando a todo custo uma forma de viver, apesar das adversidades e dos contratempos que surgiam como reação às ações nada elogiáveis por eles empreendidas.

Correio Braziliense, 29/9/2012