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Por que Portugal resiste?

 

Temos hoje cerca de 280 milhões de falantes da língua portuguesa, sendo 250 milhões de nativos e 30 milhões de segunda língua.  Somos a sexta língua mais falada no mundo, o que não foi motivo ainda para que ela merecesse a sua oficialização na Organização das Nações Unidas.  Resta-nos o obstáculo das diferenças que o Acordo Ortográfico de Unificação da Língua Portuguesa procura  corrigir, sem buscar a unidade prosódica que seria fora de propósito.  Cada país da comunidade lusófona deve falar preservando as suas características. Assim se garantem a variedade e a riqueza do idioma.

O Acordo entrará em vigor, definitivamente, no dia 1º de janeiro próximo.  Há resistência em Portugal, com a tese absurda de que o Brasil tenta uma nova forma de colonialismo cultural com a sua implantação (“cedências excessivas”, dizem eles) ou o emprego de “bizarrices”, como acusa o escritor Graça Moura.  Enquanto nossos livros, jornais e revistas adotaram a simplificação vernacular, na terra de Eça de Queirós há resistências incompreensíveis, retardando a unificação pretendida, de resto uma velha reivindicação lusitana, aprovada na década de 40.

Em encontro recente, na Academia Brasileira de Letras, o filólogo Evanildo Bechara, dos mais respeitados em nosso país,  recordou a defesa que da nossa língua fez o escritor José de Alencar, em 1º de agosto de 1865, no posfácio de Diva.  Era a propósito de eventuais estrangeirismos: “As línguas não são instrumentos puros: elas, como instrumento de comunicação de uma sociedade que entra em contato com outros povos, podem receber palavras e ideias novas, mas também transmitir palavras e ideias novas.  A língua é instrumento do espírito e não pode ficar estacionária quando este se desenvolve.”

Mas o pai do romance brasileiro pareceu  pressentir as dificuldades de um acordo de unificação, com essas palavras: “Na substância, a linguagem há de ser a mesma, para que o escritor possa exprimir as ideias do seu tempo e o público possa compreender o livro que se lhe oferece.”

Bechara preocupa-se com a defesa da língua: “Devemos olhar não só para o ensino, para a cultura, mas para as lições da universidade que se transforma, com a construção representada pelo trabalho do professor.”  Nesse aspecto, dizemos nós, há uma longa caminhada a ser percorrida, na verdade a partir dos primeiros anos escolares, pois registra-se um grande desleixo nessa forma de comunicação.  O exemplo maior  pode ser o resultado das provas de português, nos exames da OAB, em que se revela verdadeira catástrofe vernacular.  Não há magistrado que deixe de reclamar dos textos de advogados que lhes são submetidos, proclamando a sua precariedade.

Podemos inferir que o emprego desordenado dos computadores não melhorou em nada essa perspectiva.  Ao contrário, revela-se uma clara degradação, estimulada pelo que os jovens hoje chamam de  internetês.  Isso os afasta da norma culta ou padrão da língua.

Jornal do Commercio, 17/8/2012