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Memórias do exílio

 

Com o movimento militar de 1964, exilara-se inicialmente na Argélia, depois em Paris. Quando a situação política se normalizou, ele voltou para São Paulo, mas não gostou da vida que levaria no Brasil. Achou tudo muito chato. Tentou o Uruguai, onde ainda tinha parentes, desanimou e decidiu viver e morrer em Paris. Pelo menos, valeria uma missa.

Chamava-se Bório. Era baixinho, cabeça grande, olhos claros, sofria de vários furores, o fálico e o político. Encrencava-se ao mesmo tempo com mulheres e policiais. Estava sempre dando em cima de alguma estudante que podia ser filha dele ou sendo advertido por um policial que tentava interromper os discursos que fazia nos cantos do Quartier, na estação de Saint-Michel ou na esquina do bulevar Saint-Germain.

Bebia pouco e arengava contra o poder, o imperialismo, a poluição. Suas causas eram simpáticas, atraiam ouvintes. Falava uma mistura de francês, espanhol e português. Foi numa dessas arengas que descobri que, afinal, era um baiano de excelente cepa. Num de seus discursos, deixou escapar a palavra "plúmbeo". Referia-se ao céu cinzento de Paris enquanto ameaçava o capitalismo, as instituições burguesas, a igreja e o Pentágono. Houve um dia em que, não sei a pretexto de quê, esculhambou com madre Teresa de Calcutá e contra o preço do metrô.

Eram temas que não me interessavam. Daí que enjoei do Quartier e mudei-me para a margem burguesa de Paris, um quatro estrelas na rue de L'Arcade, atrás da Madeleine, quase ao lado do hotel Bedford -onde morrera dom Pedro II, outro exilado como o Bório. Eu não chegava a ser um exilado, passara em Havana uma boa temporada, lá o céu não era plúmbeo, mas conheci Chantal. Foi pior.

Folha de São Paulo, 22/7/2012