Aprendi, não sei com quem, que não se deve dar dois tipos de chute: em despacho de macumba e em cachorro atropelado. Na realidade, nunca tive vontade nem oportunidade para chutar despachos com farofa e velas acesas, e muito menos chutar cachorros. Daí a maneira como fiquei sabendo de mais uma coisa inútil, entre outras tantas.
No momento, temos o caso do ex-senador Demóstenes Torres, que depois de atropelado, está sendo chutado como o demônio da vez, na base do mata, esfola! Mereceu o atropelamento. Foi com alívio que a opinião pública recebeu a sua cassação. Mas a mesma opinião pública ficou pasmada ao saber que ele voltará a ser o que era, ocupando um cargo público com a respectiva remuneração.
A causa que provocou a sua expulsão do Senado continua de pé.
Seria um caso para ser decidido no âmbito de seu Estado. Ele pode responder a um processo administrativo em Goiás, com amplo direito de defesa. E se for condenado, aí sim, perderá o emprego a bem do serviço público. Fora disso, seria uma violência e uma vingança mesquinha que nenhum homem (ou cachorro) atropelado merece.
Em tempo: gostei da crônica do Sérgio Dávila do último domingo, na qual aparece um cidadão recebendo e agradecendo, no seu iPhone 4, o carinho da mulher, de parentes e de amigos na mesma hora em que estava sendo votada a sua cassação.
O repúdio público provocado por suas relações com um esquema criminoso não afetou o carinho de sua família e de seus amigos. Politicamente isolado, com evidente e já punida culpa no cartório, cabe-lhe resgatar a sua imagem pública -e, para isso, deverá contar com o apoio não apenas de sua família e de amigos, mas de todos aqueles que sentem repugnância em chutar um homem (ou um cachorro) atropelado.
Folha de São Paulo, 17/7/2012