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O umbigo chinês

 

É a China que nada sabe do Brasil, ou o Brasil que não se dá conta da China? Um dos paradoxos da nova globalização é o quanto os BRICS - os países-chaves da nova conjuntura - estão autocentrados, senão voltados para o seu próprio interior, para a nova prosperidade. É o que se dá, inclusive, com as nações-fulcro da nova realidade emergente. Tanto a China e a índia não vivem de qualquer reciprocidade de perspectiva, mas da diversidade de seu contexto e das soluções que buscam para o seu futuro. Inclusive a prosperidade de ambos não foge a conformismos multisseculares, já que a riqueza hindu se acomoda à coexistência com os párias e com a marginalidade social irrevogável de um quinto de sua população.

O grande contraste entre a Índia e a China está, hoje, entretanto, no confronto de suas políticas econômicas. O crescimento da prosperidade hindu é o tradicional do capitalismo, e é absolutamente ligado à concentração de riquezas que leva o governo de Nova Déli ao maior número de bilionários, e não se cogitar de qualquer política de desconcentração de recursos. Mas não realizamos, por outro lado, o avanço das políticas públicas chinesas, neste último meio século, a intensa mobilização urbana e a mobilização cultural, assentada nas políticas de fundação da memória, a partir do êxito da Revolução de Mao Tsé-tung. Mas, sem dúvida, à mais profunda delas foi a da política de controle da natalidade, que impede, sob graves sanções, a existência de famílias com mais de um filho. É desnecessário imaginar o que teria sido, para uma explosão demográfica sem remédio, permanecer o sub-continente na inércia da sua expansão, nestes últimos cinquenta anos.

Tão só os supe-ricos podem se permitir um segundo filho, viajando, a peso de ouro, para Macau ou Hong Kong, numa violação consentida da regra para a enorme maioria do povo. E crítico, hoje, saber-se como esta intervenção avança no inconsciente coletivo do enorme país, nisto que é visto como uma contenção do instinto de filiação, a levar a fenômenos culturais novos ao supercuidado com o rebento único, expresso pelas vestimentas de gala da criança, pelo excesso de brinquedos, e uma condescendência com um novo autoritarismo infantil, observado pelos sociólogos. Para onde vai essa maternalização transferida, e o que será o seu efeito em novo comunitarismo familiar, ou na sua transferência, de vez, para um novo fluir do lazer chinês?

Jornal do Commercio (RJ), 7/6/2012