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O túmulo e o sanduíche

 

Uma semana em Nova York e paguei dois tributos de visitante classe média: um bom espetáculo na Broadway, com "Porgy and Bess", montado por um extraordinário elenco negro, a música de Gershwin sendo ainda a melhor trilha musical para a cidade; e uma comprida visita às obras do Marco Zero, onde está sendo finalizado o memorial das 2.983 vítimas do atentado de 11 de setembro que derrubou as duas torres do World Trade Center.

Sobre o musical de Gershwin escreverei mais tarde, no caderno "Ilustrada". Valeu a pena, em todos os sentidos, como espetáculo em si e como obra de arte.
 
Quanto ao memorial, minha reação foi estranha. Apreciei o esforço da cidade em erguer um espaço monumental tecnicamente perfeito, aproveitando inclusive a oportunidade de melhorar urbanisticamente aquele confuso trecho do sul de Manhattan. Já visitei, mundo afora, alguns locais históricos, as esplanadas de Hiroshima e Nagasaki, as ruínas de Massada, só não vou me meter a besta para ver os destroços que ainda restam do "Titanic" no fundo do mar.

O memorial do Marco Zero será sem dúvida uma façanha, cheia de boas intenções e algumas soluções estéticas apreciáveis. Mas há alguma coisa de sinistro naquele local, sobretudo quanto ao aspecto comercial do empreendimento. Em Hiroshima e Nagasaki e em Massada, sobretudo, a emoção fica por conta das tragédias que ali aconteceram.

No memorial do 11 de Setembro está sendo criado um grande e assombroso shopping. Na visita que fiz, havia uma senhora lendo para quem quisesse ouvir, o seu protesto de mãe e cidadã: "Aqui está enterrado meu filho único, cujo corpo nunca foi encontrado. Será doloroso para mim saber que muitos jovens virão comer sanduíches do McDonald's em cima do túmulo dele".

Folha de São Paulo, 29/5/2012