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Apenas 45 minutos

 

Em todos os serviços e produtos que encontramos hoje no mercado, há sempre a possibilidade de reclamar, escolher outra marca, ter sua queixa ouvida por algum órgão do governo. Mas existe uma coisa que está acima do bem e do mal: viagem de avião.

No momento em que escrevo estas linhas, estou em um céu lindo, sendo bem atendido pelos comissários, fazendo uma viagem de 45 minutos entre Paris e Viena. Hoje, porém, resolvi cronometrar tudo. Saí de casa duas horas antes, porque é um voo internacional. Precisei ficar, junto com outra centena de passageiros, 32 minutos na fila de checagem de segurança: a mulher encarregada estava conversando, e ai de alguém que ousasse dizer alguma coisa. Em seguida – isso jamais tinha acontecido, preciso reconhecer – os mais de 100 passageiros ficaram como sardinha em lata em um ônibus, por 52 minutos, já que o avião tinha chegado tarde e não conseguira uma passarela livre.

Um senhor idoso reclamou, tudo que conseguiu foi o comentário “se não está satisfeito, pode desembarcar”. O senhor ameaçou fazer isso, mas todos nós, na lata de sardinha, imploramos para que mudasse de ideia. Um passageiro que desiste depois de registrado irá causar um transtorno para todos os outros – já que suas malas terão que ser retiradas, o avião perderá sua janela de decolagem (aqueles minutos que lhe foram generosamente concedidos por uma autoridade também acima do bem e do mal) e isso pode resultar em outra hora de espera, até que exista de novo o pequeno espaço livre em uma quantidade interminável de decolagens e pousos.

A companhia em que geralmente viajo me deu um cartão especialíssimo, que - se não me engano - apenas dois mil passageiros possuem. É renovado anualmente, enviado para meu apartamento no Brasil – e como estou em trânsito há algum tempo, ainda não pude tê-lo comigo. Claro, minhas informações estão no computador, e o homem que está me registrando sabe disso, mas resolveu pedir uma prova física, já que o cartão que tenho comigo está com sua data de validade vencida. Cheguei ontem de Kiev, vindo de Lviv, e agora estou indo para Viena, e em seguida para Toulouse.

No início do mês estava em Londres; como passei por muitos controles de segurança, atrasos, esperas, gente malencarada, uma ameaça de bomba (por sinal ninguém disse nada – apenas mencionaram que naquele dia as malas iriam em outro voo porque o avião estava lotado, e precisavam de combustível extra), uma evacuação de terminal por causa de uma mala desacompanhada, não tive paciência para discutir. Como dois cowboys no velho Oeste, nos encaramos. Ele pisca primeiro - diz que “confia em mim, mas que da próxima vez trouxesse o cartão correto”. Digo que não desejo absolutamente que confie em mim, é a primeira vez que nos vemos. Ia mais adiante, mas resolvo parar por ali.

Estamos a poucos minutos de aterrizar, preciso desligar o computador. Sobrevoamos Paris, a Suíça, vimos o MontBlanc, o lago de Constanza. Meu garfo caiu no chão, o comissário educadíssimo trouxe imediatamente outro. Começo a pensar em outros problemas este ano – a respeitável companhia suíça que não tinha sequer um sanduíche para servir, e quando o senhor ao meu lado começou a gritar que até nas companhias low budget a gente pode pelo menos comprar algo para comer, a aeromoça chorou. O guarda aduaneiro que chamou o superintendente, porque o meu rosto era muito familiar, em que lista de procurados eu estava? (o superintendente apenas riu, pediu desculpas e um autógrafo); a mulher explicando ao senhor na minha frente que ele não podia levar sua bagagem para dentro da cabine porque isso “podia desequilibrar o avião, e fazê-lo pender para um lado” (acho que foi a desculpa mais criativa que vi), e por aí vai.

Penso nas duas ou três vezes em que resolvi reclamar, e tudo que consegui foi uma carta do presidente da companhia aérea pedindo desculpas (se você resolver reclamar, também irá receber a carta do presidente, seja qual for a companhia aérea). Com relação a aeroportos, creio que eles não têm presidentes, portanto é melhor ficar calmo, não discutir, não ameaçar sair do ônibus. Afinal, são apenas 45 minutos de viagem, não é verdade?

Claro que não é verdade: hoje foram quase cinco horas para que estes 45 minutos fossem possíveis. Mas, descontando tudo isso – e temos que descontar – no fundo viajar de avião é maravilhoso, e... Gentilmente me pedem de novo que desligue o computador. Eu sorrio, peço desculpas, vou desligar agora. Espero que consigam um lugar nas passarelas.

Outro ônibus hoje iria estragar o dia.

Diário de Pernambuco, 14/5/2012