Dando de barato que o nosso mundo ainda terá milhões de séculos pela frente, sempre imaginei o trabalho dos futuros arqueólogos para procurar indícios de vida inteligente no passado da humanidade. Aluviões, calor ou frio terão destruído muitas coisas, principalmente as coisas do nosso tempo.
De repente, um dos sábios descobre numa caverna o exemplar de um jornal brasileiro miraculosamente conservado. Ele passará o resto da vida pesquisando o tipo de vida, as ocupações e as preocupações de uma era remotíssima, ou seja, o último domingo, 15 de abril de 2012, num determinado país banhado pelo Atlântico Sul.
Assim como Champollion decifrou os hieróglifos da Pedra da Roseta, outro especialista traduzirá, talvez aleatoriamente, a crônica de um determinado dia num determinado país. Uma comissão de sábios, com a colaboração de uma tecnologia avançadíssima, chegará a uma conclusão dos problemas que enfrentávamos naquele dia.
Serão outros milhões de séculos para que o resultado seja absorvido pela história universal. Eles ficarão sabendo que o Titanic, o maior navio da época, foi afundado pela solércia de um tal Demóstenes Torres, afogado por uma Cachoeira maravilhosa, que, disfarçada em iceberg, sustentava alguns dos varões mais respeitáveis do país.
E que havia, na época (século 21 da Era Cristã), uma doença que era tida como incurável e que atacava autoridades de diversos países. Nem por isso os habitantes viviam deprimidos, mas em alacridade: o papa (o que era um papa?) iria participar de uma Copa do Mundo com a juventude de uma religião fundada por diversos bispos evangélicos que curavam os deficientes visuais e condenavam um troço chamado "homofobia" que, tantos séculos depois, nunca saberão o que é.
Folha de São Paulo, 17/4/2012