Há quem julgue insuficiente explicar o mundo que nos cerca, a partir da ideia da modernidade líquida, cujo ponto de vista parece ter cumprido seu destino crítico. As metáforas também envelhecem. Se com as novas leituras de Marx havíamos detectado a passagem do estado sólido para o estado líquido, a interpretação das dinâmicas do mercado seria mais legível no estado gasoso.
A face de uma pretensa modernidade gasosa pode traduzir a expansão e a retração dos mercados, o caráter volátil da economia, entre zonas de pressão e depressão, investimentos com risco de curto e médio prazo, ao longo dos quais se movem, com agilidade felina, os grandes especuladores. Para estes, a metáfora gasosa traduz uma atitude – técnica e cínica –, segundo a qual a ética e a economia não representam uma boa vizinhança. Das praças de Atenas, a frase mais repetida é justamente “in Gold we trust.”
Sob o triunvirato da União Europeia, do Banco Central da Europa e do FMI, a Grécia, ou o que se costumou chamar de “sistema Grécia”, vive um momento dramático e os números não deixam margem à dúvida, de tão estridentes. A taxa de desemprego chega a mais de vinte por cento em todo o país, com impensáveis cinqüenta por cento entre os jovens. O salário mínimo desaba do medíocre patamar de 750 euros mensais e estaciona provisoriamente em 580. Essa mesma Grécia, que em 2004, era festejada como a revelação econômica dos estados membros da União Europeia.
O cenário não poderia ser mais devastador e sem freios nas projeções negativas, desde a redução brutal de aposentadorias e décimos terceiros ao corte de cento e cinquenta mil funcionários públicos. Ao mesmo tempo em que o turismo não tem forças para reerguer sozinho a economia, a indústria vive quase sem forças, dependente do Estado, que, por sua vez, sofre uma evasão fiscal da ordem de quase quarenta bilhões de euros.
Diante desses números, os versos de Odysseus Elytis, prêmio Nobel de literatura, dizem “a língua que me deram foi o grego” e uma “casa simples nas praias de Homero”.
A Grécia está de joelhos. Mas não a voz de seus poetas. Os bárbaros invadiram as casas e as praias de Homero, mas não podem roubar a língua e a história de um povo luminosamente cantados por Odysseus Elytis, em torno de uma Grécia cosmopolita, porque oriental, helênica e bizantina.
Os bárbaros passaram as fronteiras porque, de acordo com o sociólogo Ulrich Beck, deixou de existir a noção de entorno ou de arredores, a parte de dentro ou a parte de fora de um sistema, quando já não se pode mandar para longe ou para fora o que se mostra inoportuno. Tudo está dentro de um mesmo e impreciso território. Ainda que haja a ilusão de se descartar alguma coisa, esse descarte voltará ao ponto de partida com um efeito bumerangue.
A Grécia está sendo devastada pelos ventos da barbárie econômica que varrem a Europa, cujo redesenho varia entre a posição dos “keynesianos líquidos” ou dos “críticos gasosos”. E a situação pode piorar pela intolerância de um governo de salvação nacional em que o dissenso é tomado como um ferrenho inimigo de um país em escombros.
O primeiro-ministro Papandreou busca evitar a dissidência na própria base política, pressionado pela União Européia. Declarou, não sem razão, que “o verdadeiro inimigo é o nosso próprio sistema”. E, no entanto, seria preciso distinguir as nuances do pronome possessivo, como quem distingue a estratégia dos bárbaros, para melhor combatê-los.
Konstantino Kavafis escreveu o poema “À espera dos Bárbaros”. Dos que os esperam na praça, dos senadores que não legislam, porque os bárbaros farão melhor, dos oradores que silenciam, porque os bárbaros não apreciam a eloquência e o debate. E, contudo, nos últimos versos, a descoberta fatal: os bárbaros não vêm. E a pergunta incômoda: “O que será de nós sem os bárbaros?”.