Um critério para que apelam constantemente os gramáticos é a eufonia, isto é, atender à boa sonoridade, não ser desagradável ao ouvido. Mas este mesmo critério não pode ser levado com rigidez, pois se se negam aos defectivos ‘colorir’ e ‘polir’ as formas, por exemplo, ‘coloro’ e ‘pulo’, já não se consideram antieufônicas ‘coloro’ e ‘pulo’ dos verbos ‘colorar’ e ‘pular’.
O leitor que nos perguntou sobre verbos defectivos referiu-se ao comportamento do emprego dos defectivos nos diversos países de língua portuguesa. Tal indagação nos oferece oportunidade de trazer à consideração de nossos leitores comentário de outro notável conhecedor do idioma, o filólogo português Rodrigues Lapa, na “Estilística da língua portuguesa”, ao tratar deste assunto:
“Deve notar-se, a este respeito, que no Brasil parece haver mais audácia no uso dos defectivos. Num jornal carioca lia-se ainda há pouco: ‘É indispensável que o Governo aja com energia’, e um escritor, Antonio Callado, não hesita em escrever: ‘Eu vou botar os camponeses na rua. O Governo não age, ajo eu’ (Quarup, 4ª ed., pág. 320). Em Portugal ainda não se chegou a este ponto, empregando-se naquele caso formas como ‘atue’ ou ‘proceda’, para evitar a confusão com ‘haja’, do verbo ‘haver’” (pág. 195 da 8ª edição, Coimbra Editora, 1975).
Fatos históricos e sociais por que passa uma coletividade podem ensejar que certos defectivos venham a ser mais usados, e, assim, fiquem mais sujeitos a empregos menos acomodados a lições dos gramáticos, e apareçam mais conformes aos fatores da flexão completa, por falsa analogia com verbos aparentemente da mesma família. Nos dias de hoje, em que os direitos quase sempre não são respeitados, sente o falante a necessidade de ter à sua disposição verbos defectivos como ‘precaver’ e ‘reaver’ com todas as pessoas e formas, e, acreditando derivados de ‘ver’ ou ‘vir’, usa e abusa de ‘precavejo’ ou ‘precavenho’, ‘reavejo’ ou ‘reavenho’, estas e outras oriundas do mesmo raciocínio e sujeitas ainda à palmatória da gramática.
Na norma padrão, tais verbos só se conjugam, no presente do indicativo, nas formas ‘precavemos, precaveis’, ‘reavemos, reaveis’. Não sendo conjugados na 1ª pessoa (eu), não terão o presente do subjuntivo nem o imperativo negativo; do imperativo afirmativo, só haverá a 2ª pessoa do plural: ‘precavei’, ‘reavei’. No restante, são conjugados plenamente.
O verbo ‘reaver’, derivado de ‘haver’, só se conjugará nas formas em que seu primitivo tiver ‘v’; pretérito perfeito: reouve, reouveste... (e não reavi, reaveste, reaveu, etc); pretérito imperfeito: reavia, reavias...; futuro: reaverei, reaverás, etc.
Para o verbo ‘precaver’, pretérito perfeito: precavi, precaveste...; pretérito imperfeito: precavia, precavias...; futuro: precaverei, precaverás, etc.
O Dia (RJ), 5/2/2012