Não faz muito, lembrei o encontro de dom Pedro II com Graham Bell, quando o imperador do Brasil, testando o telefone que acabara de ser inventado, assustado, teria dito: "Tem um homenzinho falando aqui dentro". Leitor interessado no rigor histórico reclamou junto à ombusdman deste jornal, dizendo que pesquisara no arquivo do Museu Imperial de Petrópolis e a frase ali registrada era: "Meu Deus, isto fala!".
Em princípio, as duas frases revelam o mesmo espanto. Escolhi a mais pitoresca, que li num dos muitos textos que circulam por aí sobre as viagens e proezas culturais e científicas do nosso segundo imperador.
Não tenho tempo nem vontade de checar a frase verdadeira, mas, pelo sentido que ela expressa, deve estar num dos livros de Viriato Corrêa para crianças ou numa das muitas biografias de nossos historiadores, e cito logo de saída a de José Murilo de Carvalho, que por sinal é uma das melhores.
Para mim, tanto faz. Repito o que disse acima: elas expressam o mesmo espanto. Aliás, o que há de controvérsia sobre frases atribuídas a personagens importantes daria para encher uma enciclopédia.
Para começar com um exemplo bem conhecido, há aquele bilhete em que Jânio Quadros apresentou sua renúncia à Presidência da República. Embora ele tenha escrito "forças terríveis", até hoje circula em livros históricos e citações avulsas que a frase era outra: as famosas "forças ocultas". Acredito que 90% das citações a respeito ainda hoje falam nas forças ocultas.
Fico no assunto, que inclui não apenas as frases que teriam sido ditas, mas seus autores, onde a variedade é impressionante. Os exemplos são numerosos, um dos mais frequentes atribui a frase "Navegar é preciso" a Caetano Veloso, Fernando Pessoa e Ulysses Guimarães. Quando, na realidade foi dita por Pompeu, que encorajara os marinheiros romanos a atravessar o Mediterrâneo levando trigo do norte da África para a capital do império que estava em crise de alimentos.
No grito do Ipiranga, a história registrou o brado retumbante de Pedro 1º, "Independência ou morte". No caminho de São Paulo para o Rio, ao receber a carta de José Bonifácio dando conta do que se passava nas cortes de Lisboa, que pediam o regresso imediato do então príncipe regente a Portugal, o imperador mostrou o documento a um padre que fazia parte de sua comitiva, pedindo-lhe a opinião.
O padre, se a memória não me falha, seria um tal de Belchior, mas não importa, importa é que a resposta que ele deu a dom Pedro transformou-se no citado brado retumbante: o Brasil não podia ser governado de Lisboa, a questão era de independência ou morte. A mudança que mais me irrita consta do "Glória" que é rezado nas missas. Citando um trecho do evangelho de São Lucas, a oração consagra uma das frases mais conhecidas da literatura universal: "Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens de boa vontade". Musicada por compositores como Beethoven, Mozart, Schubert e pelo doméstico padre José Maurício, que respeitaram a frase original, a oração agora termina com o absurdo "Paz na terra aos homens por ele amados".
No próprio "Padre Nosso", que faz parte do Sermão da Montanha, a frase "Perdoai as nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores" foi mudada pela Igreja, que transformou as dívidas em "ofensas" (que dá mais ou menos no mesmo, dá).
E o que falar da "Afrodescendente de cabelo duro, qual é o pente que te penteia"? No poema de Jorge de Lima, o certo seria a "Afrodescendente fulô" e não mais a "Nêga Fulô". E teríamos o "nó deficiente visual" em vez do nó cego.
Quando Washington Luís pediu apoio dos presidentes estaduais para seu candidato (Júlio Prestes), enfrentando a Aliança Liberal que traria Vargas ao poder na revolução de 30, rompendo com o pacto político do café com leite que revezava São Paulo e Minas na Presidência da República, recebeu o famoso telegrama de João Pessoa, que faz parte da bandeira da Paraíba: "Nego!". Garantem que o telégrafo daquele tempo não tinha o acento circunflexo. Topando o negócio, João Pessoa teria respondido carinhosamente: "Nêgo...".
A Tarde (BA), 27/1/2012