Não me lembro qual foi o poeta que se recusou a fazer um romance porque jamais escreveria esta frase: "A marquesa saiu às quatro horas". Era um fundamentalista em matéria de literatura. De minha parte, há mais de 60 anos que quase todos os dias escrevo que a marquesa ou a condessa, se não saiu às quatro horas, saiu às quatro e meia. E dai?
Respeito os poetas e suas poesias, um respeito religioso. O pai fazia poesias, eu o respeitava, até o dia em que encontrei em sua escrivaninha, na redação do velho "Jornal do Brasil", um verso atroz: "sequiosa do sabor daquela fruta". Numa fria madrugada, ele vinha de um baile e passou pela casa da amada, viu na calçada os restos de uma laranja - estava armada a cena daquele crime.
Era jornalista, naquele tempo todos os jornalistas tinham dois sonhos comuns: ter um sítio em Jacarepaguá para criar galinhas e fazer um soneto imortal, galinhas ele chegou a criar, mas em Lins de Vasconcelos. Poesia, depois de minha espinafração, creio que nunca mais tentou.
Na Bahia, numa longa vigília com Vinicius de Moraes, em que ele falava mal do Braguinha por causa da letra que pusera no "Carinhoso", de Pixinguinha, eu citei o próprio Vinicius, "pois há menos peixinhos a nadar no mar do que os beijinhos que eu darei na tua boca".
Outro dia li um poema do grande Drummond de Andrade, parece que ele estava com 17 anos e mandou para um jornal em Nova Friburgo, onde estudava, um texto em que dizia: 'Enquanto a lua, a casta melancia dos poetas, muito pálida e muito redonda..."
Tanto Vinicius como Drummond tinham o direito de falar nos peixinhos e xingar a lua como casta melancia. Podiam escrever que a marquesa saiu ou não saiu às quatro horas. Seriam, como são, os grandes poetas que foram.
Diário da Manhã (GO), 24/1/2012